Em um momento delicado para a diplomacia internacional, o Japão tem se desdobrado para equilibrar suas relações com os Estados Unidos e a China, seus dois principais parceiros comerciais. Enquanto seu principal negociador comercial estava em Washington na semana passada para mais uma rodada de negociações tarifárias, uma delegação bipartidária japonesa desembarcava em Pequim com uma missão: reforçar a cooperação parlamentar entre os dois países.
A movimentação diplomática intensa vem em meio ao agravamento da disputa comercial entre China e Estados Unidos, e à crescente pressão sobre aliados tradicionais de Washington. O Japão, apesar de seu histórico de fidelidade à aliança com os EUA, tem demonstrado sinais de cautelosa aproximação com Pequim — uma relação historicamente marcada por rivalidades, feridas da Segunda Guerra Mundial e disputas territoriais.
Na semana anterior à visita da delegação parlamentar, Tetsuo Saito, líder do Partido Komeito — integrante da coalizão governista japonesa — esteve em Pequim entregando uma carta do primeiro-ministro Shigeru Ishiba ao presidente Xi Jinping. Embora o conteúdo da mensagem não tenha sido divulgado, fontes indicam que as tarifas dos EUA e assuntos bilaterais estiveram no centro das conversas.
O pano de fundo dessa movimentação é a imposição de tarifas pelo governo Trump. No mês passado, os EUA anunciaram uma taxa de 25% sobre produtos japoneses como aço, alumínio e automóveis. Embora Washington tenha suspendido parte dessas tarifas para negociações, a indústria japonesa já sente os impactos. Em resposta, Tóquio tem pressionado por um acordo justo. “Estamos sendo minuciosos, mas rápidos”, afirmou o negociador Ryosei Akazawa, após a última rodada de conversas em Washington.
Ao mesmo tempo, a China tem intensificado seus esforços para angariar apoio entre países afetados pelo protecionismo americano — incluindo o Japão. Durante as reuniões em Pequim, líderes chineses se mostraram abertos ao diálogo com Tóquio e, embora não tenham suspendido a proibição à importação de frutos do mar japoneses — vigente desde 2023 devido ao despejo de água tratada de Fukushima —, sinalizaram disposição para reavaliar a medida.
Para analistas, o movimento japonês não indica uma guinada em direção à órbita chinesa, mas sim uma estratégia pragmática. “O Japão está tentando proteger seus interesses econômicos sem romper com os EUA”, explica Matthew Goodman, do Council on Foreign Relations. “Eles precisam administrar uma relação complexa com a China, mas os limites dessa aproximação são claros.”
A relação entre Japão e China é carregada de desconfiança. O passado colonial e as atrocidades cometidas durante a ocupação japonesa na China nos anos 1930 ainda são fontes de tensão. Recentemente, a postura de líderes japoneses mais conservadores, que relativizam esse histórico, reacendeu críticas em Pequim. No entanto, o premiê Ishiba, eleito em outubro, tem adotado um tom mais neutro e busca restaurar pontes com os vizinhos asiáticos.
A disputa tarifária dos EUA também afetou o tabuleiro geopolítico do Sudeste Asiático, onde tanto China quanto Japão disputam influência. Em visitas recentes ao Vietnã e às Filipinas, Ishiba reforçou o compromisso japonês com o livre comércio e a segurança regional, enquanto a China promoveu iniciativas semelhantes na região.
“O risco é que países asiáticos se afastem dos EUA e se alinhem mais com a China, e isso preocupa o Japão”, alertou Itsunori Onodera, chefe de política do partido governista japonês, durante um evento em Washington. A instabilidade econômica gerada pelas tarifas, segundo ele, ameaça a coesão regional e a confiança na liderança americana.
Em meio a esse cenário instável, o Japão busca preservar sua histórica aliança com os EUA, ao mesmo tempo em que tenta evitar isolamento econômico e ampliar sua margem de manobra frente ao avanço chinês. É um jogo de equilíbrio delicado — e ainda longe de uma resolução.