Funcionário de prefeitura no Japão conta mentiras para impedir inscrição de mulher sem teto no seikatsu hogo.
Uma mulher que estava vivendo na rua depois de ter perdido o emprego tentou se inscrever no auxílio subsistência (seikatsu hogo) oferecido pelo governo japonês à população sem renda mínima.
No entanto, ela se deparou com um atendimento inapropriado e não conseguiu efetuar a solicitação depois que o funcionário responsável contou mentiras sobre a obtenção do auxílio.
O caso aconteceu no Escritório de Bem-Estar Social do bairro de Kanagawa, na cidade de Yokohama (província de Kanagawa) e foi publicado no Portal Shukan Josei Prime.
A prefeitura reconheceu o caso como inadequado depois de checar a gravação e fez uma coletiva de imprensa para pedir desculpas. Mihoko Kobayashi, que realiza atividades de apoio à população vulnerável através da organização Tsukuroi Tokyo Fund, comentou os equívocos do funcionário que deveria orientar o caso.
A mulher que pediu o auxílio será identificada como “A”. Ela havia perdido o emprego e a residência e tinha ¥90 mil no banco, mas com contas de telefone e internet pendentes, que deveriam descontar ¥20 mil no fim do mês.
Para economizar dinheiro, ela decidiu ficar em um parque. No dia 22 de fevereiro, “A” foi até o Escritório de Bem-Estar Social do bairro de Kanagawa para encaminhar a solicitação do auxílio. O funcionário tentou evitar a inscrição e colocou nos registros que “A” não teve intenção de encaminhar a solicitação.
“A” chegou no local com o formulário impresso em mãos, depois de ter feito o download por orientação de organizações de apoio e de um advogado voluntário. Ela também gravou a conversa por orientação das instituições, que já previram que a prefeitura poderia dificultar o pedido.
A conversa gravada foi transcrita pelo portal, com os comentários de Mihoko Kobayashi adicionados entre os trechos do diálogo. Confira abaixo:
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Gravação Seikatsu Hogo
Funcionário: Na recepção a senhora escreveu que está sem residência? Poderia explicar a sua situação?
A: Eu não tenho emprego no momento. Até o mês que vem devo receber o último salário, mas sem emprego e sem endereço, eu estou dormindo em hotéis cápsulas ou em net cafés (lan houses). O que mais o senhor gostaria de saber?
Funcionário: Para as pessoas sem teto há abrigos de moradores de rua. A senhora pode entrar em um abrigo. Pode fazer uma consulta para mulheres.
Comentário: Aqui o funcionário está tentando dizer que entrar em uma instituição é premissa para receber o auxílio. Esta é uma explicação falsa. Forçar o solicitante a entrar em um abrigo vai contra o Artigo 30 da Lei do Seikatsu Hogo. Se o solicitante não quiser, é de responsabilidade do Escritório pensar em outras soluções. (Mihoko Kobayashi).
A: Eu não sabia o que fazer por estar sem casa e entrei em contato com uma NPO em Saitama.
Funcionário: Saitama? A senhora foi até Saitama?
A: Eu não fui até Saitama. Entrei em contato pelo Twitter. Eles falaram que vão me acompanhar se a solicitação for negada. Eu acho que seria muito incômodo para eles. Eu não posso me inscrever no seikatsu hogo?
Funcionário: Se for em outra prefeitura, há ajuda de custo para que pessoas que não tem casa encontrem uma casa para ficar. Aqui é diferente, no caso de moradores de rua, não sabemos se terá local para ficar hoje ou amanhã, então nós encaminhamos para um abrigo.
Comentário: Eu fiquei muito surpresa com esta explicação. O funcionário tenta induzir ao pensamento de que o auxílio não é usado para cobrir o gasto inicial com um apartamento. Há rumores sobre outras prefeituras. Isto é uma mentira clara. Ele continua insistindo de que é premissa ter um lugar para morar antes de pedir o auxílio, continua com explicações mentirosas. (Mihoko Kobayashi).
A: De acordo com o que me foi explicado pela NPO, eu posso solicitar o auxílio mesmo que não tenha onde morar. Isto não é verdade?
Funcionário: Solicitar, sim, você até pode solicitar… (inaudível aqui).
A: Então, se eu posso solicitar, gostaria de solicitar.
Funcionário: De onde a senhora veio hoje?
A: Hoje… ontem eu dormi na rua. Como ontem estava mais quente, eu dormi no parque.
Comentário: No momento em que ela diz claramente que quer se inscrever, ele muda de assunto. Ao ouvir esta tentativa de “enrolação”, penso que o Escritório de Bem-estar Social está muito hábil em fazer isto. Ela já pediu três vezes para se inscrever, mas o funcionário não encaminha a inscrição. (Mihoko Kobayashi)
Funcionário: Desculpe fazer esperar. O que está em discussão no momento é o fato de a senhora não ter casa. Como a sua situação é esta, se a senhora solicitar sem ter residência, por não ter uma residência, é provável que o caso seja negado. Além disso, quando a solicitação é encaminhada, o dinheiro que o solicitante possui é considerado como renda e há um limite. Se o dinheiro que a senhora possui ultrapassar o limite, não vale a pena fazer a inscrição e no momento o dinheiro que a senhora possui (¥90 mil) está acima do limite. Há grandes chances do pedido ser rejeitado.
Comentário: Aqui ele explica que o dinheiro que ela possui está acima do limite para receber o auxílio. De fato há um limite, mas este limite é de ¥130 mil. Se o usuário tiver mais do que isso, pode ser rejeitado. “A” só possui ¥90 mil, o dinheiro que ela tem está abaixo deste limite. (Mihoko Kobayashi)
A: Posso fazer uma pergunta?
Funcionário: Claro.
A: Desculpe de novo. A NPO me disse que mesmo sem ter casa, se o meu registro de residência estiver em algum lugar, eu posso posso fazer a solicitação neste lugar.
Funcionário: Ah, sim, é verdade.
A: A possibilidade de rejeição significa que o valor excede o limite para gastos cotidianos?
Funcionário: Como não há residência agora, não há gasto de aluguel com residência
A: Mas… agora eu só tenho ¥90 mil. Qual o limite mínimo para os gastos cotidianos?
Funcionário: Para os gastos cotidianos é ¥75 mil. Se encontrar um apartamento barato, em Kanagawa ou Tóquio, pode fazer a solicitação no local responsável pelo seu endereço. Se não encontrar um apartamento pode tentar um hotel? No bairro Naka ou Kotobuki há muitos hotéis. Pode transferir o seu registro de residência para este local e então pode fazer o pedido.
Comentário: Aqui o funcionário está se contradizendo. Ele concorda com ela que pode solicitar sem residência, mas então diz que precisa encontrar uma residência primeiro para fazer o pedido. “A” está claramente com problemas, dá para perceber pela sua voz na gravação, é de doer o coração. (Mihoko Kobayashi).
A: Então, agora não posso solicitar e serei rejeitada, é isto?
Funcionário: Solicitar, a senhora pode, mas não há muito mérito em fazer isto agora. É melhor para a senhora fazer a solicitação depois de encontrar um endereço.
A: Hum…
Funcionário: Sugiro procurar um apartamento que não tenha um custo alto para entrar.
A: Eu não tenho como ter um fiador. Procurei muitos lugares, mas como só tenho ¥90 mil, é muito difícil. Além disso, quando pagar as contas que faltam, terei apenas ¥70 mil. Não sei o que fazer… hum… estou preocupada. Mas… eu posso solicitar, não é?
Funcionário: Mesmo que solicite, se não há residência… (inaudível aqui)
Comentário: Não consigo não ficar indignada. Por favor, pensem comigo. Se não há residência, a pessoa só tem ¥90 mil e vai perder ¥20 mil no fim do mês. Não tem trabalho, não pode contar com ninguém. E além disso não pode ganhar o auxílio. Será que tem uma imobiliária ou um proprietário alugaria apartamento para alguém nessas condições!? (Mihoko Kobayashi)
A: O senhor tem este formulário? Parece que não posso me inscrever no seikatsu hogo em Yokohama se for moradora de rua.
Funcionário: Não, não é isso. A senhora pode se inscrever, mas solicitar e receber o benefício são coisas diferentes.
A: Ah, mas então pelo motivo de que não tenho casa… Posso receber o papel do formulário? Eu fiz uma cópia, na verdade e trouxe comigo.
Funcionário: O formulário é entregue no momento da inscrição. Não é entregue previamente.
A: Ah… Não sei o que fazer.
Comentário: “A” é uma pessoa inteligente. Apesar das explicações incorretas do funcionário, ela continua se esforçando. Ela perdeu forças pela preocupação e desesperança. Por outro lado, o funcionário continua com um posicionamento ilegal e sem pestanejar. (Mihoko Kobayashi).
Pedido de desculpas
A gravação foi utilizada para solicitar esclarecimentos ao Escritório de Bem-Estar Social, que realizou uma coletiva de imprensa. No fim da tarde do mesmo dia, a Prefeitura de Yokohama também falou publicamente. reconheceu que o tratamento foi “inadequado” e pediu desculpas.
A prefeitura distribuiu um documento de esclarecimentos sobre o caso e disse que o tratamento no bairro de Kanagawa foi “extremamente problemático“. e explicou que “o funcionário ouviu a situação da moradora de rua e explicou sobre o sistema do Seikatsu Hogo, mas indicou que se consultasse com terceiros e finalizou a consulta”.
“Nos meus esforços até agora, vi algumas prefeituras colarem placas de ‘proibido gravar’, com a desculpa de que é para proteger a privacidade da pessoa que se consulta. No entanto, há o mesmo aviso no local de consultas particulares e a verdade é que se gravar, muitas circunstâncias ilegais virão a tona. Não há lei que diga que não possa registrar o comportamento de um funcionário público”, explica Mihoko.