Tóquio – O termo “black (burakku) kigyou” no Japão se refere a uma empresa que não respeita leis trabalhistas e não está preocupada com o bem-estar de seus contratados. Há muitas companhias assim, algumas já estão na lista negra do governo e outras seguem atuando sem muita fiscalização.
Nestas organizações, os funcionários são explorados, trabalham em excesso e sem pagamento de horas extras e sofrem abusos como assédio moral, agressões verbais e até físicas.
O portal japonês Career Connection realizou uma pesquisa com 758 trabalhadores que já atuaram neste tipo de empresa. Mika Kobayashi (nome fictício), com idade na faixa de 40 anos, foi chamada para contar sua história pessoal, depois de ter impressionado com os relatos que deu para a pesquisa.
Mika já passou por várias “empresas negras” e conta que acabou caindo em um buraco difícil de sair. Quando deixa uma empresa para buscar por um emprego melhor, o histórico de demissões chama atenção dos recrutadores.
“Você sai de uma empresa ruim e isto suja o seu histórico. Não é adequado dizer ao recrutador que a última empresa era ‘black’ e o fato de ter trabalhado pouco tempo e saído chama atenção. Por fim, suas chances com empresas boas reduzem e outra ‘black’ acaba contratando”, explicou.
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Abusos na empresa
A japonesa conta que a pior experiência que já teve foi em uma empresa que anunciava na vaga que o trabalho começava às 9h da manhã. Ela foi contratada facilmente e descobriu uma outra realidade.
“Tinha que chegar às 8h para fazer faxina na empresa. Eu perguntei se o trabalho então começava às 8h e a chefe disse que não, que era uma ‘preparação’, mas tinha que ir mesmo assim e claro que sem pagamento”, contou.
Depois da faxina, era hora de colocar o uniforme e então começava um ritual matinal obrigatório, ainda antes de iniciar as atividades de trabalho. Mika diz que a chefe era uma adepta do “desenvolvimento pessoal” e promovia leituras e debates em grupo antes do horário oficial de trabalho.
“Tinha um livreto suspeito, cheio de história curtas de moral e a gente tinha que ler uma no dia anterior. Depois a gente tinha que fazer uma apresentação das nossas impressões. Eram leituras sobre a importância de servir e da autodevoção. Uma tentativa de lavagem cerebral”, contou.
As leituras e apresentações nada tinham a ver com o trabalho. Além disso, duas vezes no mês, havia um “treinamento” depois do horário e de participação obrigatória.
“Nessas ocasiões, a gente se dividia em grupos e tínhamos que debater um assunto. Era muito sofrido. Eles diziam que era um debate livre, mas eram assuntos como a devoção pessoa e a entrega para servir. Era muito claro que só tinha um único tipo de opinião que se podia dar”.
Quando tentou se abster do grupo de debate, ouviu um sermão severo da chefe:
“Você acha que com esse tipo de pensamento vai conseguir trabalhar direito? Não posso compreender como você tem coragem de pensar assim”.
Concurso de redação
Mika acabava derrotada pelos sermões e o medo de perder o emprego repentinamente. Não podia faltar nunca, nem doente ou com febre e constantemente a mensagem de “servir a empresa” era martelada na cabeça dos funcionários.
Um dia, se deu mal por causa de um concurso de redação, criado pela editora que publicou o livreto que era utilizado todas as manhãs.
“A chefe nos obrigou a participar. Ela disse para escrevermos um episódio emocionante de nossas vidas para o concurso. Eu escrevi o meu na força do ódio e tive o azar de ganhar”, relembrou.
A entrega do prêmio ocorreria em uma cerimônia em Tóquio e Mika deveria participar. No entanto, no dia do evento, o pai de Mika estava para passar por uma cirúrgia de emergência e ela pediu para se ausentar.
“A chefe disse que era um evento nacional e seria impensável a minha falta. Depois da cerimônia, teve um grande jantar comemorativo e eu me recusei a ir, também como protesto”, disse.
A situação piorou. Dias depois, Mika foi promovida, mas para um departamento com uma carga horária bem maior.
“Eu vi que não ia conseguir mais cuidar do meu pai por causa do horário de trabalho e pedi consideração para a chefe, mas ela disse que se fosse assim, eu não precisava mais vir no dia seguinte. É claro que não teria aviso prévio de demissão”, lamentou.
Além desta empresa, MIka acabou nas mãos de outras companhias com práticas abusivas. “Mesmo quando as circunstâncias parecem boas na vaga de emprego, no fim das contas, você começa a trabalhar e descobre que é uma black”, diz.
O ciclo continua, já que as boas empresas são criteriosas para contratar funcionários com muito histórico de demissão e as “blacks”, que possuem alta taxa de rotatividade, acabam contratando mais rápido.
“Eu acho que os trabalhadores abençoados por um emprego que respeita as normas trabalhistas e o bem-estar não conseguem entender o que é isso. Essas empresas existem e só passando por elas para saber como é”, sugere.