Kagoshima – A japonesa Chihiro Miyasako viveu como cadeirante desde os seis meses de vida por causa de uma doença rara e degenerativa: a atrofia muscular espinhal (AME).
Aos 15 anos, acabou falecendo repentinamente e em seus poucos anos de vida, deixou um legado que a cidade de Kagoshima, no sul do Japão, não irá esquecer.
Chihiro tinha muitas limitações físicas por causa da doença que provoca perda da força muscular e dificuldade de locomoção. Mas tinha algo que ela adorava fazer: comer em restaurantes com a família.
Só que este pequeno desejo se transformava em frustração cada vez que decidia o que queria comer ou onde gostaria de ir. Ao chegar no local, se deparava com escadas que não podia subir ou espaços apertados demais para uma cadeira de rodas.
Em fevereiro deste ano, Chihiro publicou um texto na coluna “Wakai Me” do jornal local Minami Nihon Shinbun. A coluna traz histórias e depoimentos de jovens e estudantes, mostrando perspectivas diferentes.
O depoimento da jovem no jornal foi um comovente desabafo, que causou mudanças quase imediatas. Segundo uma reportagem da emissora Fuji, o primeiro local a agir foi um bar e restaurante tradicional japonês (izakaya) no bairro de Izumi em Kagoshima.
Chamado de “Ginnotora”, o estabelecimento foi um dos locais que causou frustração em Chihiro. Quando a jovem tentou ir com a família, se deparou com escadas que não podia subir.
“Eu fui informada de que não podia ir por falta de rampas e fiquei pensando se eu era um estorvo para as pessoas. Não tenho o direito de comer livremente o que gostaria de comer, é muito frustrante”, disse ela no desabafo no jornal.
Aquilo comoveu e envergonhou Eijiro Hayashi, responsável pelo restaurante. Ele deu entrevista para a emissora Fuji e contou que se apressou na instalação da rampa, que ficou pronta em maio deste ano.
“Os restaurantes sofreram um baque com a pandemia e a gente não estava com folga financeira para este projeto, mas era algo que eu já pensava que queria fazer”, comentou.
Depois do desabafo de Chihiro, o projeto da rampa se tornou prioridade.
“Nós temos a nossa vida sem deficiência e as coisas que são óbvias para nós não são óbvias para os outros. Eu senti que precisava apressar isto”, disse.
Kayo, a irmã de Chihiro, contou um pouco sobre como era desafiador cada vez que tentavam comer em algum lugar diferente.
“Tinham algumas coisas que ela queria comer, mas a gente se deparava com escadas na entrada os espaços apertados que a cadeira dela não passava. Tinham restaurantes que eram mais apertados e mesmo que o atendente fosse gentil, o espaço apertado para a cadeira trazia desconforto e a gente desistia”, relatou.
E por causa da falta de acessibilidade, Chihiro perdia a liberdade de ir onde quisesse ou comer o que tinha vontade.
“Era muito triste porque por mais que ela dissesse que queria comer isso ou aquilo, na prática, tinha muita coisa que de fato ela não podia comer por causa disso”, disse a irmã.
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Mudanças de acessibilidade na escola
Chihiro tinha o poder de fazer as pessoas se colocarem em seu lugar através das palavras. Não foi só o desabafo no jornal que causou impacto na região, fazendo estabelecimentos locais se preocuparem com a acessibilidade.
Ela estudava na Escola Especial Kagoya na cidade que, apesar de ser uma escola para crianças com deficiência, tinha suas falhas na acessibilidade. Mas Chihiro conseguiu mudar isto ao compartilhar seus sentimentos em uma redação.
“Ela escreveu essa redação quando estava no primário. Tinha um pequeno vão entre a porta e o corredor, algo insignificante para quem pode caminhar, mas um obstáculo para a cadeira de rodas. Graças a ela instalamos uma placa e depois os professores ficaram muito agradecidos”, contou a professora que foi responsável pela turma de Chihiro.
No desabafo publicado no jornal, Chihiro disse algo que gerou grande impacto e fez com muitos locais pensassem na acessibilidade para os clientes e visitantes.
“Se a sociedade tiver essa consciência, não serão apenas as pessoas como eu, com limitações físicas, que vão se sentir bem nos espaços públicos. Muitas pessoas com diferentes tipos de deficiências vão poder aproveitar mais sem dificuldades”.
Os sentimentos transformados em palavras ajudou muitas pessoas a mudar a mentalidade e foi um legado que a jovem deixou em sua cidade.