Tóquio – Nem todo mundo tem o direito de ser criança, mesmo em um país desenvolvido como o Japão. As circunstâncias familiares podem transformar a infância em um peso e acabar deixando de frequentar a escola é uma consequência.
Uma reportagem do jornal Nishi-Nihon Shimbun trouxe alguns casos de crianças que pararam de frequentar a escola comum, mas foram acolhidas por um projeto Escola Livre em Fukuoka, administrado pela organização sem fins lucrativos (NPO) Education A3. O projeto resgata jovens que estão fora da sala de aula por algum motivo, seja familiar ou problemas dentro da escola, como nos casos de bullying.
Essas crianças frequentam as aulas da nova escola por algum período, até que estejam em condições de voltar para a sala de aula normal. Além de dar relatórios para a escola sobre cada caso, a instituição de acolhimento garante que os problemas enfrentados na infância não irão prejudicar o futuro e a educação.
Mas alguns casos são bem difíceis e a realidade familiar complica a situação.
Este é o caso de Maya*, que hoje tem 19 anos e é natural de Fukuoka. A jovem viveu muitos anos fora do Japão e por isso não tinha domínio do idioma quando voltou ao país. Ela queria ter estudado em uma escola internacional onde pudesse falar inglês, mas não teve condições financeiras e entrou para um colégio de ensino médio comum.
Mas não conseguia se adaptar, entender as aulas direito ou fazer amigos, um problema muito comum também entre as crianças estrangeiras, incluindo as brasileiras. A dificuldade da escola apenas intensificava sua situação familiar. Maya vive sozinha com o pai, que já tem idade avançada e foi diagnosticado com demência quando ela ainda estava no ginásio.
E desde o terceiro ano da escola ginasial, a menina se viu em uma rotina estressante, pesada e cheia de responsabilidades. Tinha que ir para a escola, cuidar do pai, dar banho nele e preparar a janta em casa todos os dias.
“Era a minha responsabilidade cuidar do meu pai”, comentou.
Maya passou a frequentar a escola livre, recebe apoio para entender os estudos do ensino médio e se prepara para arranjar um emprego depois de terminar os estudos.
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A avó com demência
Houve outro caso complicado de um criança também de Fukuoka, que precisou cuidar de um familiar com demência. Há alguns anos, Taki*, um assistente social que prestava serviço na Escola Livre, foi designado a ajudar uma menina que enfrentava uma situação difícil: ela tinha a responsabilidade de cuidar da avó com demência.
A menina era estudante de uma escola ginasial e não dizia absolutamente nada. No início, ela se recusava a conversar ou dizer qualquer coisa, apenas ficava calada. Mas conforme o assistente social foi insistindo, tentando uma comunicação e ganhando a confiança, o coração da menina se abriu.
Ela disse que era muito difícil cuidar da avó, em tom de quem pedia socorro. A menina não convivia com a presença do pai e a mãe se desdobrava com um trabalho de longas horas e mais uma rotina de cuidar da casa. Por isso, ela se sentia pressionada ao cuidar da avó e não conseguia conversar com a mãe sobre isso.
“A gente foi construindo uma relação de confiança aos poucos, até que ela se sentisse confortável para desabafar comigo. Foi bem difícil no começo”, Taki contou.
Depois disso, foi possível ajudar a família e conseguir apoio social na região para melhorar a situação familiar e permitir que a menina pudesse se concentrar nos estudos.
A escola livre não é só um apoio para a educação de crianças que se afastaram da escola comum, mas um acolhimento que pode fazer toda a diferença no futuro delas.
*nomes fictícios