Tóquio – Os casos de pessoas que vivem em meio ao lixo é um problema social comum no Japão. Pela primeira vez, o Ministério do Meio Ambiente resolveu mapear os casos que são do conhecimento das prefeituras e registrou que há mais de 5.200 pessoas vivendo nessa situação.
Provavelmente há muito mais do que isso. Os casos de conhecimento das prefeituras são de casas cheias de lixo que começam a causar incômodos nos vizinhos. Cheiro ruim, lixo que sai do quintal e vai para a calçada, entre outros problemas que fazem com que os moradores próximos busquem ajuda do poder público.
De acordo com uma reportagem da Emissora Fuji, associações e empresas que trabalham com serviços de limpeza dessas casas estão notando um aumento de casos e uma nova situação: muitas pessoas estão vivendo em meio ao lixo em circunstâncias que ninguém sabe.
Há muitos apartamentos que parecem normais por fora, mas ao abrir a porta, é possível enxergar a montanha de lixo que muitas vezes se aproxima do teto. Quem vive nessas condições precisa escalar por cima do lixo todos os dias e aos poucos, a vida vai se tornando inviável no apartamento ou casa.
Apesar dos mais de 5 mil casos registrados, a pesquisa do Ministério mostrou que nos últimos 5 anos, apenas 40% das prefeituras no Japão reconheceram casos de moradores registrados e Tóquio é a cidade com a maior incidência: são 880 registros de pessoas vivendo em meio ao lixo na capital japonesa.
Além disso, o governo japonês também pesquisou sobre leis municipais que regulamentam o acúmulo de lixo e dispõem de verba para essas situações e apenas 101 prefeituras têm esse tipo de lei em vigor. Para 1585 prefeituras no Japão, não há nenhum plano para implementar uma lei que ajude a resolver os casos.
E mesmo nas localidades onde há lei, não é possível arcar com os custos de limpeza quando o morador afirma que não tem lixo em casa. É preciso que o morador reconheça a situação e aceite a ajuda em primeiro lugar.
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Casos de pessoas comuns
Nem todos que vive em meio ao lixo são pessoas com mania de acumular coisas. Há diversas circunstâncias que resultam neste problema e muitas vezes o morador quer e tenta se livrar do lixo, mas não dá conta de recolher.
A reportagem da emissora Fuji conversou com a empresa Gomiyashiki Senmon Partners, especializada na limpeza de casas e apartamentos tomados pelo lixo. A empresa recebe pedidos para limpar as casas e apartamentos e lida com todo o tipo de situação. Há moradores jovens, outros idosos e até casos de pessoas que acabaram morrendo nessas circunstâncias e a empresa é chamada para limpar o local.
O que tem chamado atenção nos últimos anos são os casos de apartamentos. Pessoas que passaram a acumular lixo em casa sem que ninguém perceba, nem os vizinhos, amigos ou familiares e viram a situação sair dos limites.
“Tenho muita certeza de que esses casos escondidos em apartamentos aumentaram. A gente abre a porta e se surpreende com a quantidade de lixo acumulado. A gente foi em um apartamento em que o morador tinha morrido e o corredor estava limpo e organizado, a porta de entrada era comum, mas quando abrimos, os pertences e o lixo chegavam quase ao teto”, contou.
Há muitos casos com proliferação de baratas e o serviço de limpeza, mesmo com uma equipe trabalhando, não consegue dar conta em um único dia de serviço.
“Em casos extremos, usamos 2000 sacolas de 90L até conseguir chegar no último quarto. Tem vezes que a gente leva dois dias para se desfazer de tudo”, explicou.
Pode parecer que muitos casos são de idosos, solitários ou depressivos, mas há também casos de pessoas jovens que começaram depois de alguma circunstância específica.
“Há muitos casos de jovens que moram sozinhos. Ficaram ocupados demais com o trabalho ou o horário de descartar o lixo é muito cedo pela manhã e não conseguem cumprir as regras. Vi ainda um caso de que tinha uma pessoa na vizinhança abrindo o lixo dos outros e a moradora ficou com medo e parou de descartar”, contou.
Em um caso de uma jovem na faixa de 20 anos, que vivia sozinha no quinto andar de um prédio residencial, a zeladora reclamou que ela estava “descartando muitos itens desnecessários” e depois disso, sentiu-se desconfortável para colocar o lixo fora e acabou acumulando dentro de casa.
A jovem na faixa de 20 anos passou a acumular o lixo depois de ouvir uma reclamação sobre o que estava descartando. Reprodução / FNN.
Em outro caso acompanhado pela empresa, um mulher na faixa de 30 anos tentou remover o lixo em casa por conta própria, mas desistiu na metade do caminho e pediu ajuda ao serviço. Ela morava em um kitnet e não conseguia mais pisar no chão por causa da montanha de lixo.
O que leva a essa situação de vida
Yoshihiko Tanaka, presidente da Associação de Limpeza de Casas de Acumuladores de Lixo no Japão, explicou para a emissora Fuji quais são os quatro tipos de situações comuns que resultam nessas montanhas de lixo em casa.
O mais assustador é que, muitas vezes, é como cair em uma armadilha. Problemas com o descarte, inconveniência, falta de tempo e basta alguns meses para que saia do controle.
“Muitos casos são de pessoas que vivem sozinhas, passam o dia no trabalho e quando estão em casa é só para dormir. Elas deixam o lixo acumular e não se importam, quando começam a se incomodar, estão cansadas demais para limpar. Se ninguém da vizinhança perceber, se torna fácil criar uma montanha de lixo em casa”, explicou.
Mas não é só isso, há os casos de quem basicamente se alimenta com marmitas de mercado e lojas de conveniência e deixam este lixo se acumular em casa. Se isto ocorrer em um ritmo diário, em pouco tempo o lixo começa a tomar conta dos cômodos.
“Outra situação é sobre o descarte de lixo, muitas vezes complicado em algumas prefeituras. O morador não sabe como separar ou se incomoda com esse processo, perde o dia que deveria jogar as sacolas fora e quando percebe, está com um grande problema em casa”, disse Yoshihiko.
Por fim, a situação da pandemia do coronavírus também se tornou um agravante e levou mais pessoas a viver em meio ao lixo no Japão.
“A pandemia fez muitas pessoas passarem mais tempo em casa e isso também facilitou o acúmulo de lixo. É fato que há muita gente com mania de guardar as coisas e acaba acumulando lixo por isso, mas também vemos muitos casos escondidos, em apartamentos fechados, sem que ninguém saiba da situação além do morador”, contou.