Tóquio – Um grupo de advogados japoneses está determinado a parar com os “abusos de direitos humanos” que seriam cometidos pelas Testemunhas de Jeová. Em uma coletiva de imprensa realizada em Tóquio, os advogados falaram que estão fazendo pesquisas com pessoas que cresceram em famílias de fiéis e coletando informações.
De acordo com uma reportagem do Jornal Sankei, os advogados revelaram que já coletaram depoimentos de 77 pessoas que disseram ter sofrido agressões físicas de seus pais, fiéis da religião. Em muitos casos, as agressões começaram por volta de 3 anos de idade e pararam depois dos 12 ou 13 anos.
O grupo é formado por muitos advogados que também cresceram em famílias de Testemunhas de Jeová. Kotaro Tanaka, uma das autoridades envolvidas na causa, disse que os castigos corporais podem ser aplicados para manter os fieis obedientes às normas pregadas.
“Não sabemos se as agressões físicas ainda são mantidas, mas muitas pessoas que cresceram nessas famílias convivem com o sofrimento mesmo na fase adulta. É uma questão progressiva”, comentou.
O grupo notificou várias questões junto ao Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar Social. Uma das denúncias é a polêmica das transfusões de sangue que não são aceitas na religião. Negar a transfusão de sangue pode colocar a vida da pessoa em risco e, por isto, os advogados defendem que se trata de maus-tratos.
Uma reportagem da emissora Fuji entrevistou Takeshi Komatsu, que vem de uma família de Testemunhas de Jeová e contou suas experiências traumáticas na infância e como muitas vezes desejou ser filho dos vizinhos. Ele disse ainda que largou a religião aos 20 anos de idade e desde então, não pode ter contato com os pais e o irmão.
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Como foi a sua infância?
Minha infância e juventude foi cercada pelos ensinamentos das Testemunhas de Jeová. Quando eu era bem pequeno, levava só uns tapas no bumbum, mas depois de um tempo passei a apanhar de cinta.
O motivo dos castigos eram as reuniões dos ensinamentos de Jeová, durante duas horas e três vezes na semana. Se eu não estivesse bem comportado e prestando atenção, era levado para outra sala ou ao banheiro e apanhava. Eu podia ouvir os gritos e choros de outras crianças.
Minha mãe dizia que o Deus Jeová iria ficar triste e então batia no meu bumbum com a cinta, fazia duas ou três tiras com ela. Depois eu ficava inchado, não conseguia me sentar e ficava todo torto na cadeira no dia seguinte, quando ia para a escola.
No site das Testemunhas de Jeová eles afirmam que quem ama as crianças não hesita em disciplinar e castigar de forma física pode ser necessário. E o castigo é para forçar os filhos a seguir o estilo de vida que eles consideram ideal.
O que é o estilo de vida ideal?
As regras são baseadas nos escritos da Bíblia. As Testemunhas de Jeová têm suas publicações e não se pode fugir disso. Por exemplo, o Deus Jeová não deseja conflitos, então não se pode assistir ou ler histórias, mangás de super-heróis e guerras. E é claro, não se pode colecionar itens de personagens dessas histórias.
Quando eu era criança, usava escondido um estojo da franquia Super Sentai e quando minha mãe descobriu, eu fui castigado por isso. Eles castigam o tempo todo porque acreditam que assim estão colaborando com a felicidade dos filhos no futuro prometido. Se eu fosse obediente, minha mãe era muito gentil e eu gostava quando ela era assim.
Como é o seu relacionamento com a família hoje?
Eu fui um “fiel” dos 13 aos 20 anos, depois abandonei a religião. Já se passaram 20 anos desde que eu não sou mais uma Testemunha de Jeová e mesmo depois de todo esse tempo, os laços com meus pais e meu irmão continuam cortados. Eles pregam dentro da religião que as pessoas que abandonaram não podem mais fazer parte da vida dos fieis, ainda que sejam da mesma família.
Eu não posso visitá-los e nesses 20 anos, recebi algumas cartas pedindo que eu voltasse. Mas voltar para eles significa voltar para a religião. Eu já fui atrás dos meus pais e argumentei, disse que agora eles têm um neto e perguntei se a gente poderia se encontrar como família e eles disseram que não enquanto eu não voltar ao hábito religioso.
O que você sentia sobre as outras famílias?
Sinceramente, eu morria de inveja. Eu via meus amigos entusiasmados com aniversários e Natal e eles podiam ver o que quisessem na TV, ter os brinquedos e jogos que quisessem. Eu me perguntava por que a minha família era Testemunha de Jeová e pensava que gostaria de ser filho dos vizinhos, era muito triste.
Mas agora tenho a minha própria família e valorizo muito isso.
Você sentia que tinham decido sua vida por você?
Sim, muito. Eu era castigado o tempo todo e muitas escolhas de vida foram tiradas de mim. Eu não podia participar do clube esportivo da escola e já estava decidido por mim que eu não iria para a faculdade. A minha juventude foi roubada e eu não pude fazer nada.
Eles acreditam que esse mundo irá acabar em breve pelo Armagedom e um novo mundo será construído, irá para o céu e ganhará o direito de viver para sempre em uma Terra abençoada apenas aqueles que seguiram as regras de vida de Deus. Eles querem salvar muitas pessoas da destruição e é por isso que tentam converter novos fieis.
Quando eu era pequeno, meus pais me diziam que eu não me tornaria adulto. Quando chegasse na idade de tirar carteira de motorista, já estaria na hora de ir para o céu. Eles diziam que esse dia poderia chegar a qualquer momento, poderia ser hoje ou amanhã e eles repetem isto durante décadas. Eu acho que esse ensinamentos, no fim, são cruéis.
Há muita gente sofrendo que nem eu, que sequer tem o direito de conviver com a própria família por ter decidido seguir um caminho de vida diferente do que eles pregam.