Chiba – Todo muito entra na faculdade aos 18 anos no Japão e quebrar padrões não é algo muito comum no sistema do país. Mas em 1998, a Universidade de Chiba inovou com um programa de aceite de alunos de 17 anos que fossem altamente capacitados para a universidade antes de terminar o ensino médio.
Três jovens de 17 anos foram aceitos na primeira chamada e os holofotes da mídia se voltaram para eles. As expectativas eram grandes para que se tornassem pesquisadores reconhecidos no futuro.
Um desses jovens era Kazutoshi Sato, visto como um “gênio da física”. Ele ingressou mais cedo na faculdade, se formou, tentou a vida no campo da pesquisa e depois de inúmeras decepções, chutou o balde da vida acadêmica. Mais de vinte anos se passaram e hoje Sato atua como motorista de caminhão.
Quem contou essa história foi uma reportagem do portal President Online, que relembrou a trajetória de Sato desde 1998 e os eventos de sua história que resultaram na desistência da vida de pesquisador, apesar de suas paixões pelo estudo e das grandes expectativas depositadas na juventude.
Uma jornada pela vida acadêmica
Sato estava no segundo ano do ensino médio quando sua vida mudou. A Universidade de Chiba queria formar estudiosos capazes de desbravar os caminhos das ciências e tecnologia no futuro.
Estudantes que já passaram por dois anos do ensino médio e tivessem grandes talentos reconhecidos teriam a chance de ingressar mais cedo na universidade. Um professor da escola de Sato avisou a turma do programa e perguntou se alguém gostaria de se inscrever.
Sato se empolgou na hora e decidiu tentar.
“Quando estava no ginásio, descobri que as estrelas que vemos hoje podem não existir mais e se isto me fascinou. Eu pesquisava algo e isto me levava a outra informação e eu queria pesquisar mais. O mundo que eu queria conhecer se expandia e para entender a física, estava estudando matemática”, relembrou.
O jovem Sato que queria estudar cada vez mais não deixou a chance passar. Decidiu se inscrever e sonhar com um futuro como especialista na física. Ele foi um dos três escolhidos e na primavera de seus 17 anos, comemorou: poderia focar suas energias no estudo que tanto amava.
Na faculdade, o tratamento aos jovens promissores que ingressaram mais cedo foi especial. Eles ganharam salas individuais para estudar e aconselhamentos de vida e carreira com um representante do mestrado.
No verão, fizeram intercâmbio de um mês nos Estados Unidos e por causa do alto interesse social, a mídia acompanhou a viagem.
“Eu estudava muito e estava muito feliz”, contou.
Mas tudo mudou depois de terminar a faculdade e os sonhos, aos poucos, acabaram engolidos pela realidade.
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De pesquisador à motorista de caminhão
Sato foi para o mestrado e tinha interesse especial nos estudos das formas de transmissão da luz, sua pesquisa foi sobre cristais fotônicos e ele foi aprovado.
Quando saiu do mestrado, foi trabalhar no laboratório de pesquisa de uma fundação na província de Miyagi. Enquanto trabalhava, continuou estudando rumo ao doutorado, queria se tornar PhD. Estava trilhando um caminho para se tornar um cientista.
Mas a vida deu suas rasteiras. Quando conseguiu seu primeiro trabalho como pesquisador, ficou chocado com o salário de ¥150 mil.
“No ano anterior minha esposa, que foi minha colega no ginásio, engravidou e tivemos nossa primeira filha. Tinha que pagar a dívida da bolsa de estudos, o aluguel era caro e precisava manter um carro para trabalhar. A situação foi ficando difícil”, explicou.
Sato conta que chegou a sofrer dificuldades financeiras a ponto de se alimentar mal. “Uma vez por mês minha família em Chiba mandava arroz e mantimentos, mas não era suficiente. Comia muito miojo e vivíamos no aperto”.
Ele conta que gostava do trabalho, podia usar seu conhecimento especializado e chegou a trabalhar no desenvolvimento de uma câmera com filtro polarizador para uma startup. “Mas, eu precisava comer e a realidade era cruel”, diz ele.
Nesta época, Sato estava com 25 anos. Mesmo que encontrasse uma boa vaga de pesquisa em empresas, tinha que pegar o trem-bala para fazer entrevista e não tinha dinheiro.
“Nós chegamos a voltar para Chiba e fui trabalhar como professor provisório na Universidade de Chiba e também passei a dar aulas em um cursinho. Mas sempre tinha a aflição se renovariam ou não o contrato e eu só queria um trabalho estável que eu não precisasse me preocupar”, contou.
Depois dos 30 anos e dois anos de atuação na Universidade de chiba, acabou largando o trabalho de professor. Sato se conformou com a ideia de que no mundo nem todos que se esforçam em algo, de fato conseguem.
Ele estava cansado das dificuldades e se lembrou que na época de estudante, chegou a fazer um bico de motorista e gostou. Também tinha uma paixão por carros e habilitação para dirigir caminhão.
E então tomou a decisão que chocou quem havia acompanhado sua trajetória pelos estudos e a pesquisa. Na primavera de 2013, Sato largou a vida acadêmica e passou a trabalhar em uma empresa de transporte como motorista de caminhão.
Já fazem 9 anos desde que se tornou motorista. Hoje em dia ele é efetivado e consegue viver bem com a esposa e a filha. Até chegou a comprar uma casa em Chiba, vai em restaurantes nos fins de semana e é apoiado pela família.
Não teve futuro na pesquisa, mas sua paixão pelos estudos e a física permanecem vivas dentro de si. “Eu gosto muito disso e hoje em dia dou aulas particulares para filhos de amigos e conhecidos”, contou.