Tóquio – Já faz tempo que o Japão vem sofrendo com o envelhecimento populacional, a alta demanda por cuidadores de idosos e pouca mão de obra na área.
Há mais de 30 anos as estatísticas anuais do governo japonês, divulgadas no início do mês de maio, apontam para um número cada vez menor de nascimentos. As perspectivas para o futuro são pouco animadoras e o governo tenta amenizar a situação atraindo mão de obra estrangeira.
O setor de cuidado com idosos e enfermagem é uma das 14 áreas do escopo do visto de habilidades específicas (Tokutei Ginou), que entrou em vigor em abril de 2019. Por causa da pandemia, os trabalhadores não conseguem entrar no país.
O governo esperava atingir a meta de 5 mil novos contratados em um ano, mas acabou com menos da metade no dobro do tempo. A mão de obra absorvida na área foi entre estrangeiros que estavam no país como estagiários técnicos ou estudantes.
Por causa do número insuficiente de trabalhadores, muitas instituições estão “quebrando o galho” com o quadro de funcionários reduzido e isto resulta em mais horas extras e pressão.
O portal japonês Career Connection coletou informações de mais de 800 pessoas que trabalham com idosos no Japão e se surpreendeu com algumas histórias. Trabalhadores japoneses relatam péssimas condições de trabalho, horas extras gratuitas e até dificuldade em obter o seguro de acidentes depois de sofrer agressão de pacientes.
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Condições de trabalho
Rika (nome fictício), na faixa de 30 anos, disse que foi cuidadora durante três anos e viveu uma situação extrema na instituição de idosos.
“Eu saía para trabalhar as 4h da manhã e ficava até a 1h da madrugada quase todos os dias. Era uma folga por semana e o pagamento de horas extras dependia do humor do chefe. Não recebia holerite e não tinha direito a férias”, relatou.
O tempo de trabalho era extremo e muitas vezes gratuito, mas Rika aguentou por alguns anos. “Eu consegui ficar nesse lugar durante três anos inteiros. Quando me casei, aproveitei a oportunidade para sair”, contou.
Hiroyuki (nome fictício), na faixa de 50 anos, disse para a pesquisa que acredita que está trabalhando em uma dessas empresas conhecidas como “black”, poir desrespeitaram as normas trabalhistas do país.
“Estou sempre ocupado e nos intervalos preciso trabalhar no computador. Sofro assédio moral, com sermões constantes do chefe. Os outros chefes são cúmplices e não consigo pedir ajuda para ninguém. Sou destratado diariamente por coisas irracionais”, lamentou,
Acidente sem direito ao seguro
Aya (nome fictício) tem idade na faixa de 40 anos e desistiu de ser cuidadora de idosos. Ela saiu do trabalho depois de sofrer um ferimento e ter o reconhecimento do ocorrido como acidente de trabalho negado.
“Eu estava ajudando um paciente a utilizar o banheiro, mas ele negou a minha ajuda e me empurrou. Eu perdi o equilíbrio e bati o quadril. Esse dia o hospital estava fechado e fui consultar na minha folga. Fui diagnosticada com uma lombalgia (dor lombar aguda)”, explicou.
Quando tentou dar entrada no seguro para acidentes de trabalho, recebeu uma surpresa negativa.
“Eu fiz uma consulta para dar entrada no seguro e ouvi que o acidente não seria reconhecido, que era para eu usar o seguro de saúde público”, contou.
Negar o reconhecimento de um acidente é um problema frequente nas empresas “blacks”. Segundo o Centro de Suporte Jurídico do Japão (Hou Terasu), a vítima do acidente pode reportar o caso no Escritório de Inspeção de Normas de Trabalho e solicitar o seguro mesmo que o empregador negue o reconhecimento.
No caso de Aya, esta não tinha sido a primeira vez que sofreu ferimentos físicos na instituição de idosos.
“Já sofri agressões de outros pacientes e cheguei a ficar com hematomas. Quando consultei os superiores sobre isto, eles disseram que não podiam fazer nada porque o paciente tinha demência ou que a culpa era da minha falta de habilidade. Eu não podia me conformar com isso, por isto saí de lá”, revelou.