Tóquio – O seguro de saúde do Japão cobre 70% das despesas médicas, mas os 30% restantes podem pesar o bastante para que cidadãos com dificuldades financeiras evitem ir ao hospital.
Quando a saúde e o financeiro estão em jogo, muitos acabam optando pelo financeiro e evitam cuidar do que possuem de mais valioso: a vida.
Foi por esse dilema que Yoshihiko Fukuchi (nome fictício), de 27 anos, passou recentemente. Ele contou para uma reportagem do portal Nikkan SPA! que foi morar na rua depois que perdeu o trabalho na pandemia e acabou expulso do apartamento.
Yoshihiko era um funcionário terceirizado e quando perdeu tudo, iniciou uma vida nas ruas.
“Quando eu conseguia um serviço de um dia, eu dormia em um ‘net café’ e quando não conseguia, eu dormia no parque. Tinha confiança na minha saúde e quando podia, trabalhava desde cedo da manhã até altas horas da noite”, contou.
A confiança na saúde fez o jovem acabar negligenciando sua alimentação.
“Para dar conta de uma hospedagem, me alimentava com cup lamen e marmitas baratas”.
A conta veio depois de dois meses. Ele estava se sentindo debilitado e pediu ajuda para uma instituição de caridade, que abriga pessoas em situação de rua. No entanto, quatro dias depois, acabou sofrendo um desmaio em uma rua de Ikebukuro, em Tóquio.
“Eu estava alíviado por ter conseguindo um lugar para ficar, mas sofri um colapso, caí e bati a parte de trás da cabeça. Quando me dei conta, estava coberto de sangue. Levei um choque e por causa do frio, não conseguia me mexer. As pessoas se amontoaram ao meu redor e chamaram a ambulância, mas eu não queria ir”, relatou.
Leia também: O japonês de 93 anos que já provocou 3 acidentes de carro este ano, mas se recusa a entregar a carteira
Saúde vs conta do hospital
Yoshihiko deveria estar preocupado com o seu estado de saúde, mas só conseguiu pensar na conta do hospital, mesmo quando se viu coberto de sangue.
“Eu estava consciente e tentei me levantar e ir embora. As pessoas disseram que se eu morresse elas seriam responsabilizadas e me fizeram entrar na ambulância”, disse.
Ele foi levado ao hospital, fez uma tomografia e descobriu que estava com um quadro de anemia por causa da má nutrição. Os médicos queriam fazer uma ressonância magnética e interná-lo por algum tempo, mas o jovem recusou firmemente.
“Eu não quis de jeito nenhum e pedi para que mandassem a conta posteriormente. Eu não tinha nenhum pertence e nada de dinheiro”, lamentou.
Quando a conta do hospital chegou dias depois, ficou muito surpreso. Ele ainda estava no seguro público de saúde (Kokumin Kenko Hoken) e conseguiu o valor reduzido de 30%, mas mesmo assim, a conta ficou em ¥25.800.
“Todo o dinheiro que eu tinha não chegava a ¥10 mil. Falei com o dono da loja que eu costumava trabalhar de vez em quando e pedi um empréstimo. Dei um jeito de pagar a conta. No fim, fiquei feliz de ser só 30%, ou teria sido muito difícil”, comentou.
Durante a vida nas ruas, Yoshihiko só conseguia pensar a curto prazo, no novo dia que teria que enfrentar. Ele conta que ficou assustado ao ver a própria imagem no espelho do hospital e como estava magro.
“Se não tiver dinheiro, você não consegue nem fazer o tratamento mais barato do hospital. Agora estou pensando mais na saúde e procurando tomar suco de vegetais”, explicou.
Casos de morte
Pensar no dinheiro em vez da saúde não foi uma atitude isolada do jovem japonês que estava morando nas ruas.
De acordo com o levantamento da Federação Japonesa das Instituições Médicas Democráticas (conhecida como Min-iren), em 2020, o país registrou 40 casos de mortes de pessoas que resistiram à ideia de ir ao hospital por motivos financeiros.
Destes casos, oito foram de pessoas que ficaram em uma situação financeira difícil em decorrência dos efeitos da pandemia.
Para Naoki Kubota, representante da Federação, esse dado está longe de mostrar a realidade.
“Temos que considerar que este número é só a ponta do iceberg. Esses são os casos das pessoas que discutiram com o hospital a impossibilidade de pagar o tratamento. Mas há os casos que resistiram à ambulância e morreram logo depois de serem socorridos e os casos que evitaram o hospital e nunca falaram sobre suas circunstâncias”, explicou.