Tóquio – O Japão ainda carrega uma forte configuração de família em que os afazeres domésticos ficam por conta das mulheres, enquanto que os homens trabalham fora.
As mulheres, que muitas vezes estão acostumadas a gerenciar a casa e a cuidar dos filhos, viram a pressão aumentar com o cenário pândemico: mais tempo em casa significou mais responsabilidade e cobranças.
Ao mesmo é nesta direção que aponta o estudo da Universidade de Miyazaki, realizado com base nos dados da polícia japonesa, referentes ao período de janeiro de 2020 e maio de 2021.
O ano de 2020 assombrou o Japão pelo aumento da taxa de suicídio, principalmente entre as mulheres. Foram 21.081 mortes naquele ano, 14.055 de homens e 7.026 de mulheres, segundo os dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar Social.
O suicídio de homens sempre esteve mais alto, mas o das mulheres teve aumento de 15% com relação ao ano de 2019 e por consequência dos efeitos da pandemia. A Universidade de Miyazaki analisou os dados da polícia e comparou com o ano anterior, antes do surgimento do coronavírus.
De acordo com emissora NHK, os dados mostraram um aumento no sofrimento da vida cotidiana de forma geral, mas mais acentuado no caso das mulheres. A insegurança na criação dos filhos aumentou em 40% e os problemas matrimoniais aumentaram 39%.
Houve ainda um aumento de problemas com outras situações: cansaço para cuidar de um familiar idoso (25%), problemas com outros familiares (7%), alcoolismo (46%) e depressão (34%).
“A pandemia fez as pessoas passarem mais tempo em casa e a responsabilidade dos problemas domésticos cai sobre as mulheres. Acredito que isto tenha se tornado um peso enorme e o suicídio é o resultado do acúmulo de várias questões”, explicou Masahide Kouda, professor do Departamento de Medicina da Universidade de Miyazaki, responsável pela pesquisa.
Kouda acredita que esses dados e a análise podem ser úteis para a criação de um plano efetivo que dê mais resultados no combate ao suicídio.
“É preciso considerar que as tendências são diferentes para homens e mulheres e criar um plano preventivo a partir disso”, sugeriu.
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Consultas para prevenir o suicídio de mulheres
Ter com quem desabafar e pedir orientações pode fazer a diferença em um momento de sofrimento psíquico. Pensando nisso, algumas insitutições sociais atendem voluntariamente as consultas de pessoas que estão sofrendo e tentam aliviar as questões e impedir que o caso acabe em suicídio.
Uma das organizações que tem realizado este trabalho é a NPO (organização sem fins lucrativos) “Anata no Ibasho” em Tóquio. Desde março de 2020, os consultores passaram a atender também por um bate-papo online e a procura pelo serviço aumentou.
Segundo a NHK, cerca de 70% dos usuários do serviço são mulheres e só em dezembro do ano passado, foram 16.700 consultas. A procura cresceu tanto que os consultores não estão dando conta de atender a todo mundo e muitas vezes não é possível responder de imediato.
Quando a consulta vem de meninas com menos de 20 anos, o problema costuma ser com a família ou escola. No caso de maiores de 20 anos, as questões são sobre criação dos filhos, marido e trabalho. O prolongamento da pandemia tem causado um agravamento de muitas situações.
“As mulheres que já sofriam o estresse da criação dos filhos e afazares domésticos viram seus problemas se agravarem com a suspensão de atividades em creches e escolas. Soma-se a isso problemas financeiros e as preocupações que se agravam na medida em que a pandemia se prolonga”, explicou Koki Ozora, líder da NPO.
Para quem está passando por uma situação dessas, conversar com alguém, buscar ajuda e fazer uma consulta é fundamental para aliviar as emoções e pensar com clareza sobre como resolver os problemas.
“Se a situação do corona piora, o sistema de consultas fica sobrecarregado, entra em crise e a rede de apoio é ameaçada. O governo tem apoiado a expansão deste serviço e precisamos atender rapidamente e unir forças para evitar que essas pessoas se isolem. Quem tiver um pouco de tempo eu recomendo que converse com amigos e familiares, conte com as pessoas próximas sem sentir vergonha”, aconselhou.