Tóquio – Tudo muda depois do casamento e a nova realidade a dois se apresenta com desafios. Um precisa compreender ao outro, se adaptar e ceder quando for preciso.
A dinâmica funciona quando há um elemento básico: o respeito. Mas e quando isso não acontece e um passa a impor suas vontades ao outro, rebaixa o parceiro e tenta agir com superioridade? Problemas de assédio moral parecem comuns em muitos casamentos e no Japão, uma pesquisa mostrou que talvez isto já tenha sido normalizado em muitos lares.
A pesquisa realizada pela empresa Yomeishu entrevistou 1000 mulheres casadas e com filhos, entre 20 e 49 anos de idade. A primeira questão perguntava se elas já tinham sofrido assédio moral do marido e supreendentemente, a resposta foi positiva em 85% dos casos.
Conforme apontou o portal Gendai Business ao retratar o assunto, o conceito de “assédio moral” parece não ser o mesmo para todo mundo e isto ficou claro nas questões sobre as experiências com o marido.
Algumas mulheres responderam que o parceiro “irrta-se facilmente” e em outros casos, as entrevistadas sofriam com fortes críticas por cometerem erros, eram maltratadas, inferiorizadas ou repreendidas.
O ponto da questão é que muitas mulheres mostraram que estão cientes de que sofrem assédio moral ou de que há algo de errado com o relacionamento. Mas no caso dos maridos, nem sempre há essa consciência. O parceiro pode agir de forma desrespeitosa e, ao mesmo tempo, achar que está se comportando normalmente.
Uma mulher contou que era “feita de idiota” pelo marido, mas ele não percebia. Ao confrontá-lo, descobriu que o companheiro achava que só estava brincando e não causando um dano emcional.
Em muitos casos, o machismo se mostrou presente e uma parte do problema que produz o assédio. A história de Sayori (nome fictício), uma mulher japonesa que decidiu se divorciar por causa do comportamento do marido, chamou atenção e foi compartilhada na reportagem.
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Cobranças domésticas e assédio moral
Os tempos estão mudando, mas a cobrança doméstica em cima das mulheres ainda é forte. Em países como o Japão, que possuem um modelo enraizado em que cabe a mulher cuidar das crianças e do lar, parece mais difícil encontrar um ponto de igualdade e equilíbrio em casa.
Sayori tem 35 anos e se casou aos 29 com um homem que conheceu no trabalho. Ela finalmente decidiu pedir o divórcio e nesse momento, diz que olhou para trás para enxergar os problemas no comportamento do marido que não viu antes do casamento.
“Em um evento de confraternização da empresa, ele sentou do meu lado e começou a conversar. Em mais de um ano de trabalho eu o via, mas nunca trocamos mais do que algumas palavras. Ele era jovem, mas dizia suas opiniões com confiança e chamava atenção na empresa, eu fiquei feliz quando ele começou a falar comigo”, relembrou.
Sayori foi convidada para um primeiro encontro e depois de três encontros, começaram a namorar. Depois de um ano juntos, decidiram se casar e no período de namoro, ela teve poucos sinais de que teria problemas quando o namorado virasse marido.
“Pensando agora, acho que não percebi os sinais. Quando a gente ia jantar fora e o nosso pedido vinha errado por algum motivo, ele podia simplesmente dizer que não era o nosso pedido. Mas ele era mais enérgico, dizia que estava errado e mandava o garçom prestar atenção”, contou.
Sayori diz que se sentia envergonhada quando algo do tipo acontecia, pois todo mundo erra e é normal. “Os funcionários se desculpavam, mas ele era muito duro, dizia para eles tomarem mais cuidado. Era jovem e ficava dando lição de moral e eu tinha vergonha”.
Mas eram coisas pequenas e o casal seguiu a vida normalmente. Quando se casaram e tiveram um filho, Sayori disse que queria continuar trabalhando e ele foi compreensivo e apoiou. Tudo parecia bem, até a rotina começar a mostrar os problemas e o assédio moral se desenhar.
“Depois disso ele começou a reclamar que a casa estava suja, que tinham poucos pratos na cozinha, que os hambúrgueres e a salada que eu tinha preparado não estavam combinando. Eu voltava do trabalho e me desdobrava sozinha com as tarefas de casa e me sentia muito triste”, revelou.
Os dois estavam trabalhando e dividindo o tempo, mas com relação ao filho e a casa, Sayori tinha que dar conta sozinha. As reclamações eram constantes e quando perguntou por que o marido não podia ajudar, ele se esquivou dizendo que “nunca tinha feito faxina na vida”.
“Na casa dele era a mãe que fazia tudo, ele não fazia nada. Eu morei muito tempo sozinha e fazia tudo então para mim era mais fácil e rápido fazer do que pedir a ele. Mas ele foi ficando cada vez pior, reclamou da poeira na mesa de jantar, que as camisas não estavam bem passadas. Eu me sentia incapaz, achava que era o meu papel como mulher e não estava cumprindo bem”, desabafou.
Mas o problema era o machismo e assédio moral. Sayori só foi perceber quando recebeu a visita de uma prima. Ela preparou um jantar e o marido comprou sushi, mas não tinham pratos pequenos o suficiente. Ela conta que ele foi um pouco agressivo na frente da prima, perguntando com ironia onde eles deveriam comer se não tinha prato.
“Depois a prima me disse que aquilo era assédio moral e perguntou como eu me sentia. Eu já estava acostumada com aquilo e achava deprimente. Depois eu comecei a pensar que aquele comportamento era comum, mas não deveria acontecer”, explicou.