Tóquio – O Japão enfrenta grandes problemas sociais como o envelhecimento populacional que vem se agravando e a baixa taxa de natalidade. Neste contexto, soma-se ainda a pandemia do coronavírus, que trouxe restrições e isolamento e acabou favorecendo uma questão que já existia: a solidão.
A pesquisadora japonesa e especialista em comunicação, Junko Okamoto, aproveitou o cenário pandêmico para fazer um alerta: “Os homens japoneses de meia-idade são os mais solitários do mundo”.
De acordo com ela, é comum que os japoneses dessa faixa etária, que vai dos 45 aos 58 anos, tenham que lidar com a solidão, também por influência de questões culturais e sociais. Eles podem ter uma imagem de que possuem muitos relacionamentos sociais, por causa da família e de seus empregos.
No entanto, a pesquisadora acredita que não é bem assim. Mesmo que sejam casados e tenham uma rotina diária na empresa onde trabalham, esses homens carregam a solidão como algo constante em suas vidas. Em uma reportagem da emissora Fuji TV, Junko explicou detalhes da pesquisa que levou a essa conclusão.
Leia também: Diretor da OMS critica Japão por proibir entrada de estrangeiros: “o vírus não escolhe nacionalidade”
A solidão dos homens japoneses
1. Por que você começou a pesquisar sobre homens de meia-idade?
Desde sempre convivo com homens de meia-idade no meu trabalho, mas a oportunidade veio em 2014, quando fiz uma viagem internacional. Fora do Japão, há um consenso de que a solidão é uma “doença contagiosa” da modernidade, que afeta tanto a saúde mental quanto a saúde física.
Depois disso, eu voltei ao Japão e pensei que a solidão tem seus dois lados da moeda. Comecei a pesquisar o assunto e escrever artigos. Acabei com a forte sensação de que a solidão dos homens japoneses de meia-idade é algo grave.
2. Por que você sentiu que a solidão dos homens japoneses é grave?
Primeiramente, os homens são naturalmente mais solitários do que as mulheres. As mulheres conversam ativamente mesmo que não tenham motivo. Os homens precisam de um assunto, como o trabalho, para gerar essa comunicação. Enquanto estão trabalhando, se envolvem pouco com a comunidade, sentem que não pertencem a lugar nenhum.
Além disso, acredito que por fatores sociais e culturais há uma forte tendência para esse lado. Culturalmente, há uma tendência em achar que a solidão é positiva, que é legal ser sozinho, que é preciso ser forte se for um homem, ainda que esteja só.
Em inglês há dois termos, a “solitude”, que se refere ao ato de estar bem e se divertir mesmo sozinho e “loneliness”, que é sobre o mal da solidão e de se sentir só. Em japonês, os dois termos são o mesmo: “kodoku”. É fácil de confundir e misturá-los.
3. Qual seria a causa social da solidão japonesa?
O sistema das empresas japonesas. A ideia de que o funcionário é contratado e deve atuar no mesmo emprego por toda a vida e o sistema de promoções por idade e tempo de serviço. Muitas pessoas ficam sem relacionamentos fora do ambiente da empresa e no trabalho, as relações são hierárquicas e conduzem a comunicação.
Os funcionários precisam se preocupar com a posição dos colegas na empresa e seus relacionamentos com eles, não há uma honestidade na comunicação. Ao passar muitos anos em uma empresa com essas características, há um enfraquecimento da capacidade de se relacionar socialmente. Ficam como pássaros enjaulados que desaprenderam a bater as asas.
Ao comparar com outros países, vemos que os japoneses tem mais dificuldade em promover novas relações sociais para si e não há uma educação que ensine sobre a arte da comunicação.
4. Como é a solidão desses homens japoneses?
Eles não costumam exibir a solidão, pois sentem vergonha. Nas minhas pesquisas, conversei com muitas pessoas e descobri que as mulheres buscam encontros sociais para compartilhar um hobby, por exemplo. Mas os homens costumam ficar mais em casa ou em bibliotecas.
Há quem ache divertido esse estilo de vida, mas muitos se sentem solitários, sentem que falta algo importante em suas vidas. Ao se aposentar, eles se perguntam o motivo de serem solitários apesar de terem contribuído com a sociedade por toda a vida.
Conheci um homem que trabalhava como professor de escola e tinha um forte sentimento de querer fazer algo pelas crianças. Uma vez, ele disse que estava na frente do prédio onde mora e viu uma mãe com o filho deficiente físico. Ele perguntou se poderia ajudá-los de alguma forma e mais tarde foi repreendido pela zeladora do prédio, que o alertou para não falar com pessoas que não conhece.
Os japoneses costumam ter um perfil sério e querem ser úteis para as pessoas e a sociedade. Querem ser reconhecidos. No entanto, parece que não há uma estrutura forte para o serviço de voluntariado. Mesmo que queiram se conectar com pessoas e serem reconhecidos, acabam sozinhos. Mesmo os casados, quando estão bem e a esposa falece, sentem uma forte solidão ao ficarem viúvos.