Osaka – Não é novidade que o Japão enfrenta um grande problema social com jovens e adultos que passam a maior parte do tempo em seus quartos, vivendo isolados. Eles não participam de atividades fora de casa com regularidade, não trabalham, estudam ou saem com amigos.
Passam a maior parte do tempo sozinhos, muitas vezes em ambientes bagunçados. Se alimentam mal e causam preocupações na família. Em entrevista para o portal President Online, o médico psiquiatra Tomosuke Inoue falou sobre as consultas que recebe, os mitos sobre este problema e o fato de que as famílias não sabem o que fazer.
Inoue atende em uma clínica em Osaka e recebe muitas visitas de familiares sozinhos, que pedem ajuda para os filhos. Eles não levam o filho na consulta, mas perguntam o que devem fazer para tirá-lo de casa.
“Os pais querem orientações e então vão até a clínica. Eles não sabem onde pedir ajuda e muitos procuram primeiro um hospital atrás de alguma informação que possa ajudar”, revelou.
Para as famílias que convivem com este problema de perto, a angústia é grande e as possibilidades de soluções não são muito claras. Inoue explica que, do ponto de vista social do Japão, há quatro equívocos claros com relação à natureza deste comportamento, conhecido como “hikikomori”.
Não é só jovens que vivem isolados
Muitos acreditam que o isolamento social é algo mais comum nos adolescentes e na juventude, mas os dados mostram que não. O governo do Japão realiza pesquisas sobre o tema e já conseguiu montar dados sobre as pessoas que vivem isoladas.
Os números de 2015 mostraram que o país tinha cerca de 541 mil pessoas de 15 a 39 anos em isolamento. Em 2018, os dados apontaram para uma média de 613 mil casos assim entre 40 e 64 anos. Os “hikikomoris” de meia idade ou mesmo idosos chamam atenção.
De acordo com o governo do Japão, a definição deste problema é a falta de participação social por razões distintas, começando pela ausência na escola e por se manter fora do sistema de trabalho. Além disso, um “hikikomori” é reconhecido assim quando passa mais de 6 meses sem sair de casa para encontros da vida social.
Ou seja, mais de 6 meses sem ir na escola, trabalhar ou se envolver com pessoas que não sejam os familiares e passando a maior parte do tempo dentro de casa neste período. Isto coloca o indivíduo na definição de “hikikomori”.
Mas como mostram os dados, o problema acontece com todas as faixas etárias. Os jovens recebem a ajuda dos pais e os adultos também. Muitos são sustentados pelos pais idosos enquanto vivem nesta triste realidade.
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Não começa ao se ausentar da escola
Muitos acreditam que o problema começa quando as crianças param de ir à escola por algum motivo, mas os dados mostram que não é bem assim. Os dados do governo do Japão de 2015 revelaram que entre os isolados de 15 a 39 anos, apenas 18,4% ficou assim depois de parar de ir para a escola primária, ginasial ou de ensino médio.
Mais de 80% dos casos tem um início diferente. São pessoas que chegaram a arrumar um emprego formal no início da vida adulta e depois disso, passaram por questões que levaram ao isolamento.
Os dados de 2018 mostraram que o início do isolamento de pessoas de 40 a 64 anos começou ao deixar o emprego. Cerca de 36% dos casos apresentaram essa história em comum.
Os “hikikomoris” saem de casa
A ideia de que essas pessoas não saem de casa é um mito perigoso, pois pode fazer com que alguém que conviva de perto com uma pessoa assim, negue a situação por ver que o familiar não passa exatamente todo o tempo no quarto.
“A imagem é de que eles ficam em casa o tempo todo e não deixam seus quartos para nada. Mas isto é um equívoco. A pesquisa de 2018 mostrou que 90% dos isolados de 15 a 39 anos vão na loja de conveniência e saem de casa se tiver algum compromisso a ver com seus hobbies”, explicou Inoue.
Apesar de algumas saídas, eles não têm círculo de amigos, uma rotina fora de casa ou algum tipo de contribuição com a sociedade.
O isolamento nem sempre é causado por doenças
O quarto mito sobre essa condição é de que essas pessoas se isolariam como consequência de alguma doença. Há casos em que isto acontece por alguma condição grave como a esquizofrenia e a dificuldade de se comunicar e interagir com outras pessoas, mas isto não representa a totalidade dos casos.
“Não há dados claros sobre isso, mas pela minha experiência, entre as pessoas que comparecem ao hospital por causa de um familiar isolado, os casos que necessitaram de intervenção médica ou são suspeitos de doença são menos da metade do total”, diz Inoue.
Muitos familiares que procuram ajuda acham que seus filhos que vivem isolados estão com alguma doença, mas isto nem sempre é verdade.
“Porém, quando só o familiar vem consultar, não há como solucionar a questão. É preciso que o próprio paciente venha conversar sobre seu estado mental e se não aparecer, não temos como saber ao certo”, explicou.
Onde pedir ajuda
Inoue orienta os pais e familiares para conversar com o filho isolado e verificar se há alguma vontade de trabalhar.
“Se o indivíduo tiver um pouco de vontade de trabalhar, mas se sentir inseguro, o correto é oferecer um apoio para a recolocação no mercado. Se ele não quiser trabalhar de jeito nenhum, o suporte mais adequado é para a vida em isolamento”, explica.
Se o apoio for para a recolocação profissional, entidades como a agência de emprego Hello Work e a Estação Regional de Suporte aos Jovens (saposute) podem ajudar. Se não houver intenção nenhuma de trabalhar, há os centros de apoio aos “hikikomoris” (Hikikomori Chiiki Shien Center) em todas as províncias e grandes cidades do Japão.
“Primeiro, tente fazer uma consulta no centro. É possível pedir ajuda mesmo que seja só o familiar sozinho e receber orientações. Mas, se o isolado não agir por contra própria, é difícil resolver algo. Os familiares podem participar de grupos de apoio, conhecer outras famílias nessa situação e trocar informações úteis para ajudar os filhos”, explicou Inoue.