Tóquio – O Japão está novamente aberto aos turistas e depois de ter mantido as portas fechadas por dois anos e meio por causa da pandemia, o fluxo de estrangeiros visitando o país é alto.
E muitos turistas querem aproveitar ao máximo o que o Japão oferece em termos de passeios, cultura e culinária. Na jornada de férias, dar uma passada nas populares águas termais para relaxar se torna quase obrigatório… mas só é possível se o viajante não tiver o corpo tatuado.
Nem todo mundo sabe disso e principalmente os que chegam no Japão pela primeira vez podem ficar bastante surpresos com a informação. A maioria dos locais que oferece águas termais ou mesmo aquecidas de maneira artificial, como os banhos públicos, recusam a entrada de pessoas que tenham tatuagens.
O preconceito tem história. Diferentes de países ocidentais que normalizaram as tatuagens e fazem por estilo, os japoneses não tem costume de cravar desenhos na própria pele e aqueles que fazem acabam relacionados aos grupos mafiosos, como a Yakuza.
Por isso, a regra de não permitir a entrada de tatuados em águas termais foi criada para não causar desconforto nos outros clientes ao perceber a presença de um mafioso no banho. Mas será que faz sentido manter essa regra hoje em dia? Um artigo do portal jurídico Bengoshi News trouxe uma pesquisa feita com os próprios japoneses.
O BIGLOBE entrevistou 1 mil pessoas pela internet em fevereiro deste ano, homens e mulheres entre 20 e 69 anos. O levantamento mostrou que 43,9%, a maioria dos entrevistados, concorda que as tatuagens devem ser proibidas em locais de águas termais e banhos públicos.
Porém, as respostas contrárias também foram altas. Para 33,7% dos entrevistados, o correto seria analisar caso a caso e não recusar todo mundo que tem tatuagens, afinal, um mafioso japonês é bem diferente de um turista estrangeiro ou alguém que fez tatuagem por estilo.
Uma minoria expressou a opinião de que a proibição deveria acabar. Só 22,4% foram a favor de modernizar e acabar com essa regra, considerando a mudança de geração.
A reportagem também mostrou que, nas redes sociais, muitos turistas estrangeiros expressaram seus sentimentos com relação a não poderem acessar esses locais. Um homem disse que estava “muito triste” por não ser aceito nas águas termais e outro disse que estava tendo muito trabalho para tentar encontrar um local que permitisse sua entrada.
Placa em estabelecimentos anuncia a proibição de clientes tatuados. Reprodução / Bengoshi News
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Discriminação ou uma regra válida?
O assunto é polêmico e divide opiniões. Alguns acreditam que é discriminação rejeitar clientes com tatuagens e outros enxergam a situação apenas como uma regra japonesa que deve ser respeitada.
Mas será que os casos de clientes rejeitados podem se enquadrar nas leis japonesas como discriminação? Quem respondeu foi o advogado Tooru Ino, do Escritório de Advocacia Ino em Sapporo (capital da província de Hokkaido, no norte do Japão).
O primeiro ponto levantado é que uma empresa privada tem liberdade para gerenciar seu negócio no Japão. E por isso, no caso de um local de fontes termais, a administração pode definir regras para aceitar ou rejeitar seus clientes, desde que não seja por motivos como nacionalidade ou etnia.
Mas há casos em que a atitude do estabelecimento pode ser considerada discriminatória. Ino explica que a discriminação fere o tratado internacional de direitos humanos e também as leis de direitos humanos da constituição de japonesa, que presam pela igualdade de tratamento e direitos entre indivíduos.
“Já houve um caso que terminou no tribunal. Um banho público na cidade de Otaru rejeitou a entrada de um estrangeiro em 2002 e o caso foi levado para a Corte de Sapporo e terminou com pedido de indenização. Mesmo se tratando de um lugar privado, se tiver características de um estabelecimento público, é possível que um caso específico seja ilegal”, disse.
Entretanto, na maioria das situações, esses estabelecimentos atuam dentro da lei.
“A regra de não permitir clientes tatuados vale para todos, não importa se é estrangeiro ou japonês. Os locais entendem que ao deixar um cliente tatuado tomar banho com os outros clientes, pode haver um desconforto, medo de estar na companhia de um mafioso e até um afastamento dos clientes por conta disso”, explica.
Ino acredita que as regras não devem ser mantidas com a rigorosidade atual e que é fácil de dar confusão, principalmente com turistas estrangeiros que não entendem a situação.
“As tatuagens têm uma imagem negativa para os japoneses, mas são comuns em países estrangeiros. Acredito que quando rejeitam clientes por causa de tatuagens, muitos turistas tendem a entender que estão sendo rejeitados por serem estrangeiros”, pontuou.
Normalmente, os japoneses não têm dificuldades para identificar as tatuagens dos mafiosos, que costumam ter desenhos como grandes dragões cobrindo o corpo. E isto é muito diferente de uma tatuagem de borboletas no tornozelo e outras menores que são comuns entre estrangeiros e até japoneses mais modernos.
“Existe a diferente do termo irezumi (tatuagem em japonês que se refere mais ao costume da mafia) e ‘tattoo”, que tem um viés de estilo e identidade. Mesmo entre os japoneses não é raro ver pessoas comuns com pequenas tatuagens no corpo, além dos estrangeiros que estão acostumados. Considerando essas situações também, acredito que proibir para todo mundo sem avaliar individualmente os casos é um exagero”, concluiu o advogado.