Tóquio – A polêmica reforma nas leis de imigração do Japão foi aprovada pela Câmara Alta do parlamento japonês nesta sexta-feira (9) e está em vias de ser efetivada.
Ao entrar em vigor, a nova lei deve resolver um problema social que o Japão vem enfrentando há anos com estrangeiros que cometeram crimes, foram presos, perderam o visto e usam o processo de refugiado como armadura contra a deportação.
Segundo os dados do governo japonês, no ano passado, houve mais de 300 casos de estrangeiros nessas condições, que cumpriram pena, foram soltos, perderam o visto e receberam liberdade provisória. Enquanto estavam livres, acabaram presos novamente pelos mais variados tipos de crimes: furto, consumo ou tráfico de drogas e até tentativa de assassinato.
Por outro lado, a mesma reforma de lei deve afetar os direitos humanos de refugiados que estão no processo para obter o visto e com dificuldade de serem reconhecidos. Há muitas crianças estrangeiras que apesar de terem nascido no Japão, falarem japonês e estarem inseridas na cultura do país, não possuem direito a um visto de residência ou cidadania.
Essas crianças, junto com suas famílias, podem acabar expulsas do país e isto motivou um protesto em especial de crianças turcas, que foi relatado em uma reportagem da revista Nikkan SPA!
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Protesto das crianças pelo direito de ficar no único país que reconhecem como seus locais de origem. Reprodução / Nikkan SPA!
As famílias estrangeiras em apuros
A liberdade provisória (chamada de karihoumen) é um recurso que permite ao estrangeiro sem visto de residência ficar em liberdade enquanto espera pela resolução de seu caso, seja o pedido de visto de refugiado, outro tipo de visto ou a deportação.
Nestas condições, o estrangeiro tem uma série de limitações que inviabilizam uma vida independente e só consegue se manter com a ajuda da família, amigos ou entidades de direitos humanos. Não é permitido trabalhar ou ter seguro de saúde e o indivíduo não consegue atendimento básico ou lidar com despesas do cotidiano.
O caso é ainda mais complicado nas famílias de refugiados com crianças, que não conseguem dar condições mínimas aos filhos e dependem de ajudas de organizações humanitárias para sobreviver. Mesmo assim, em muitos casos, voltar ao país de origem não é opção.
Segundo a reportagem do Nikkan SPA!, a nova lei motivou um protesto de crianças e adolescentes turcos que nasceram e cresceram no Japão. Há uma leitura de que as crianças serão as mais prejudicadas pela nova medida e podem acabar deportadas embora tenham nascido e crescido no país e reconheçam o Japão como suas nações.
Pela nova lei, quem tentar o visto de refugiado pela terceira vez ficará sujeito ao processo de deportação e se não acatar a ordem, será criminalmente penalizado. O mesmo vale para as crianças estrangeiras sem visto, que podem ser expulsas e igualmente criminalizadas caso as famílias não aceitem a deportação.
No caso das crianças e adolescentes turcos que estão protestando, são jovens que não se lembram da Turquia, não reconhecem o país de origem como suas nações. As crianças estão crescendo no Japão e embora falem turco, não conseguem ler ou escrever o idioma dos pais.
Elas lutam pelo direito de continuar suas vidas no país asiático como sempre foi.
Voltar para uma Turquia que não conhecem significa abrir mão de suas vidas pessoais, amigos, comunidade escolar e ir para um país onde não há familiaridade. Algumas crianças também perderam seus locais de origem no grande terremoto recente que abalou a Turquia e não há para onde voltar.
E não são as únicas. Há muitas crianças de nacionalidades variadas em uma situação parecida.
A reforma de lei também tem revoltado as entidades que lutam pelos direitos humanos no Japão e voluntários que ajudam refugiados. Asahi Oda, autora do livro “O grito de socorro de 99% dos refugiados que o Japão não reconhece” (tradução livre, Tonari no Nanmin, Nihon ga Mitomenai 99% no Hitotachi no SOS) mostrou a indignação pelos refugiados que não conseguem viver suas vidas tranquilamente no Japão.
“As crianças deveriam estar só brincando, por que devem se esforçar para ter o direito de viver onde vivem? Não há visto, não há seguro de saúde, não há futuro. Essas famílias estão sob estresse, as crianças crescendo com essa tensão, apesar de não terem feito nada de errado. O Japão está se tornando um país intolerante”, condenou.