Tóquio – Ninguém quer acabar falido, mas essa é uma consequência de decisões desastrosas na vida financeira, muitas vezes movida por sentimentos mais obscuros, como a necessidade de aprovação social. Até pessoas que nunca tiveram dívidas ou pediram empréstimos podem acabar em uma armadilha financeira se forem emocionalmente conduzidas para esta direção.
Quando as dívidas se acumulam e o responsável não possui recursos, renda suficiente ou alguma perspectiva de pagar, o caso pode ser tratado em um processo judicial de falência pessoal no Japão, chamado de “jiko hasan”. Segundo o levantamento da empresa de sites Cielo Azul, cerca de 73 mil pessoas entraram com este processo em 2021 no arquipélago.
Em 2020, foram mais de 78 mil casos. Apesar das estatísticas mostrarem uma queda de 6%, ainda há mais de 70 mil pessoas por ano que acabam em uma enrascada financeira e são submetidas à análise em um tribunal.
Yuzu Nagata, um japonês que trabalha para uma empresa de crédito, publicou um artigo no portal Gendai Business para relatar algumas histórias de clientes que faliram e o que há em comum entre eles, incluindo a necessidade de aprovação social. Veja abaixo:
Empréstimo para jóias
Yamamoto*, uma mulher de 40 anos, apareceu no escritório solicitando um empréstimo porque ela queria comprar uma jóia de ¥600 mil. E ela era solteira, funcionária pública e tinha renda de ¥6 milhões Verificamos o histórico de crédito e não havia nenhuma dívida. Nós constatamos que não havia problema com pagamentos e liberamos o crédito.
Por algum tempo as parcelas foram pagas em dia, mas depois de seis meses ela começou a atrasar. Estranhei o caso e fui investigar. Descobrimos que a Yamamoto tinha pedido outros empréstimos em outras instituições financeiras. Naquele momento, já estava devendo mais de ¥3 milhões e todo o dinheiro foi para comprar jóias.
Um ano depois, ela parou de pagar as parcelas e nós recebemos uma notificação de seu advogado, falando que ela havia entrado em processo de falência. Por fim, tinha acumulado mais de ¥8 milhões em dívidas.
Como uma funcionária pública que até seus 40 anos não tinha dívidas, viveu este tempo todo com seriedade e de repente chega ao ponto de declarar falência? Ela tinha comprado o mesmo tipo de jóias, parece que caiu em uma armadilha de vendas dessa joalheria.
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Materiais didáticos que nunca foram abertos
Outro caso bastante curioso foi de Suzuki*, um homem de 35 anos que trabalha no departamento de gestão de projetos de uma grande empresa. Ele tinha renda anual de ¥3,5 milhões e veio ao escritório pedir um empréstimo para comprar materiais didáticos sobre finanças, que custavam ¥500 mil.
Ele não tinha histórico de empréstimos e o caso foi julgado como apto para liberar o crédito. Só que ele continuou comprando materiais didáticos de tempos em tempos e cada vez que queria, pedia um novo empréstimo. Mas não há como continuar nessa situação por muito tempo e depois de dois anos, ele estava devendo ¥3,5 milhões e impossibilitado de pagar. Acabou no processo de falência.
O que mais me impressionou este caso foi que Suzuki quase não abriu as caixas dos materiais didáticos que recebeu. Ele se contentava apenas com o fato de que tinha comprado e não sabia se realmente precisava daquilo. E assim, entrou em um ciclo que o fazia comprar mais. O que o levou a começar suas compras foi o poder de persuasão de um vendedor, assim como no caso de Yamamoto e as jóias.
A aprovação social e outros pontos em comum
Observando esses e muitos outros casos que nós lidamos, podemos ver com clareza que há três pontos em comum entre as pessoas. O principal é o fato de que são solitárias. Elas podem conviver com outras pessoas e ter amigos, mas há uma característica de solidão muito presente no íntimo delas.
Por isso, precisam de muita aprovação social. Este é o tipo de pessoa que coloca a importância sua existência em estar rodeado de coisas e pessoas. Assim, gastam dinheiro com coisas caras que não precisam, como itens de marcas que as farão chamar a atenção dos outros. Elas sentem medo de que as pessoas se afastem, gastam mais dinheiro com entretenimento.
São muitos os casos de pessoas que pedem empréstimo para comprar as mesmas coisas, elas não estão interessadas no benefício do produto, mas na existência do objeto de consumo e por isso compram mais e mais.
Outro ponto em comum é a falta de honestidade. Quando o cliente solicita o empréstimo, ele precisa preencher uma ficha e há uma questão sobre suas dívidas atuais. A maioria não diz a verdade, mas nós investigamos o histórico e descobrimos. Quando vamos comparar o que o cliente colocou na ficha e a realidade, ele tem duas ou três vezes mais dívidas do que relatou.
É muito feio fazer isso, já vemos que é uma pessoa sem confiança. O indivíduo poderia ganhar uns pontos positivos se fosse sincero e relatasse sua dívida desde o começo. Mas há algo além neste comportamento, vemos que muitas vezes essas pessoas não querem encarar suas realidades, evitam tomar consciência sobre a situação financeira em que se encontram.
*Nomes fictícios