Tóquio – A situação econômica do Japão não está nada favorável e a classe média vem perdendo renda. Muitas empresas pioraram os resultados financeiros, o custo de vida tem aumentado e vem sendo pressionado pela desvalorização do iene. Além disso, a guerra na Ucrânia, que está prestes a completar um ano, também trouxe desafios econômicos.
Uma reportagem do portal Nikkan SPA! abordou a questão do empobrecimento da classe média japonesa e trouxe uma história: a de uma mãe solteira que vivia confortavelmente com o filho e ganhava cerca de ¥5 milhões por ano, antes da situação mudar completamente.
Ela perdeu o emprego e hoje se vira com um salário de ¥160 mil por mês e menos de ¥2 milhões por ano, o que é baixo para uma pessoa que vive sozinha no Japão e ainda mais difícil se tiver um filho para criar.
Kumi Sakata* tem 38 anos, trabalha em um call center e sustenta sozinha o filho de 6 anos. Hoje a situação é de aperto e dificuldades, mas nem sempre foi assim. Quando se separou do marido em no fim de 2021, ela trabalhava em uma empresa de publicidade de filmes, ganhava um salário mensal de ¥280 mil, mais bônus que garantiam renda de ¥5 milhões por ano.
Na época da separação, o ex-marido também pagava uma pensão de ¥80 mil por mês, mas com o tempo ele parou de fornecer a ajuda para o filho. Diferente do Brasil, o Japão não tem um sistema forte que obrigue o homem a pagar: a inadimplência da pensão não é crime e por isso não resulta em prisão ou multa.
Ela conta que se separou porque sofria violência doméstica e na época estava bem financeiramente para sustentar o filho sozinha, o que facilitou o divórcio.
“Na época da separação, eu podia levar o meu filho para comer fora duas vezes por semana, não tinha dificuldade nenhuma de criar ele sozinha”, contou.
Kumi recebeu indenização por causa da violência que sofria em casa e não houve nenhuma punição legal ao marido. E, com a separação, ficou apenas com o carro que era da família e a promessa da pensão, que não durou muito tempo. Ela não cobrou o ex-marido e a reportagem não mencionou se recebe ou não benefícios do governo para a criação dos filhos.
Em julho do ano passado, a empresa teve um péssimo resultado financeiro e cancelou o contrato. Sem emprego, a japonesa passou a procurar desesperadamente por um trabalho novo, mas por causa do filho, não tinha como aceitar um serviço que exigisse longas jornadas.
“Tudo o que eu consegui de trabalho foi o call center, pois posso trabalhar cerca de 6 horas por dia de segunda a sexta-feira. Mas com isso, a renda diminuiu muito e hoje sou obrigada a comprar os alimentos em promoção nas prateleiras do mercado”, disse.
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Dificuldades financeiras
Foto de Emil Kalibradov na Unsplash (imagem ilustrativa).
As contas começaram a apertar a cada mês e a situação de Kumi foi ficando ainda mais difícil. Os pais faleceram e não há familiares que possam ajudar.
“A gente vive em um apartamento pequeno que custa ¥80 mil de aluguel. As contas básicas, água, luz e gás, custaram ¥40 mil durante todo o ano passado, mas agora estão aumentando. Eu vou no mercado depois das 21h porque sei que os produtos que estão para vencer vão ficar mais baratos”, revelou.
Em cerca de seis meses, a vida de Kumi mudou completamente.
“Eu não posso mais comprar maquiagem e não vou ao salão de beleza há seis meses. O presente de Natal do meu filho foi improvisado com o saldo de ¥3 mil que eu tinha em um cartão de pontos. Não temos perspectiva de futuro”, desabafou.
Pensão alimentícia no Japão
O Japão também impõe que o ex-marido pague pensão alimentícia, mas o sistema é bem diferente do Brasil e cobrar ou obrigar o ex a pagar pode ser desafiador para a mulher que ficou com a responsabilidade de criar os filhos sozinha.
Em uma reportagem do portal Mamasma, voltado para as dificuldades das mães no Japão, o advogado Natsuki Hiranuma, explicou que não há penalidades de prisão ou multa aos homens que não pagam, mas as mulheres podem recorrer na justiça.
“Não pode ser um acordo de boca. A recomendação é que a mulher busque um advogado, negocie com o pai da criança e se não houver consenso, vá para o tribunal. Se o homem não pagar a pensão apesar da ordem judicial, ele pode ter os bens ou parte do salário confiscado para o pagamento”, explicou.
Porém, o procedimento não é simples, tem custo de honorários de advogados e no caso dos estrangeiros, ainda pode envolver despesas de traduções. Por isso, muitas mães com dificuldades financeiras não conseguem forças ou recursos para levar o caso aos tribunais e como a falta de pagamento não confere crime no Japão, muitos homens que não pagam acabam impunes.
O advogado explicou ainda que há situações em que não se pode cobrar pensão do pai da criança.
“Se a mulher se casar novamente, o compromisso de sustentar a criança recai sobre o novo companheiro. O pai não precisa mais pagar pensão se a mulher não estiver mais solteira. E se o pai da criança não tiver renda, também fica livre da responsabilidade”, esclareceu.
Se a situação já é difícil para uma mãe solteira, as dificuldades econômicas, falta de oportunidades de emprego compatíveis com a maternidade, salários baixos e o custo de vida alto tem trazido novos desafios a cada mês.