Tóquio – Uma revisão das leis de telecomunicações deixou a emissora estatal NHK a ponto de conquistar um objetivo antigo: dar um jeito de forçar todos os domicílios que escolheram ter um aparelho de TV em casa a pagar pela taxa de transmissão do canal.
Por muitos anos, a NHK protagonizou um impasse público: a lei obriga os usuários de aparelhos de TV a pagar a taxa ainda que não assistem o canal e por isso, os cobradores da empresa batem nas portas de famílias que ainda não fecharam o contrato e pressionam pelo pagamento, discutem e muitas vezes são mandados embora de mãos abanando.
A lei é controvérsia e faz tempo que está no centro de uma discussão pública. Há quem diga que o canal deveria ser fechado para quem tem interesse, mas a emissora argumenta que isto vai contra o seu “propósito maior” de dar amplo acesso informativo para toda a população.
Até então, quem não concorda com a taxa, tem TV em casa e não assiste ao canal ou mesmo os estrangeiros que sequer sabem japonês para se beneficiar do conteúdo da NHK, conseguiram se esquivar do problema ao deixar de atender os cobradores.
Mas as mudanças na lei podem permitir que a NHK cobre multa e até o dobro do valor da taxa daqueles que se recusam a assinar o contrato apesar de ter um aparelho de tv em casa.
Em uma reportagem do Daily Shincho, o professor de sociologia da Universidade de Waseda, Tetsuo Arima, considerou as atitudes da NHK como um “tiro no pé”, que pode afastar a audiência do canal e aumentar a popularidade de outros modelos de entretenimento em telas: como a Netflix e outros serviços de streaming de séries e filmes.
“Neste passo, as produções nacionais passarão a ser transmitida pelos serviços pagos, uma vez que a transmissão dos canais de TV deve perder popularidade. As produtoras de novelas e séries japonesas vão acabar fechando mais contratos de streamings e só será possível assistir se for um assinante desses serviços”, sugeriu.
De acordo com a reportagem, os dados do Instituto de Cultura e Pesquisa de Transmissão da NHK mostram que metade da população japonesa não passa nem cinco minutos por semana na companhia de algum programa da emissora.
Mesmo assim, o fato de ter um aparelho de TV em casa obriga o pagamento da taxa e a revolta com essa situação pode levar famílias a barrar a transmissão da NHK e perder também o acesso a todos os outros canais abertos, que não cobram taxa nenhuma e se sustentam com publicidade.
Por vias de lei, se não for possível transmitir o canal, ainda que se tenha um aparelho de TV, o usuário fica isento da taxa.
Leia também: Japão reúne 300 participantes em tradicional guerra de travesseiros: evento acontece anualmente em Shizuoka.
Audiência com outros interesses
Reprodução / Daily Shincho.
O professor Arima fez uma análise de que a NHK estaria passando por uma “grande deterioração” e que a emissora é também a maior responsável por isso.
“Os serviços de streamings já ganharam o mundo oferecendo seu conteúdo aos assinantes e a NHK insiste em um sistema obsoleto de cobrança de taxa de transmissão e em se manter através disso. A questão é, será que isto realmente tem trazido vantagens ao governo japonês e principalmente para a audiência?”, questionou.
Os dados de que metade da população não tem o hábito de assistir NHK pode até soar estranho para quem consome muita televisão e está acostumados a acompanhar as novelas e programas de notícias da emissora.
“Estamos em uma era em que as pessoas estão muito mais ligadas no mundo digital do que na televisão. A sociedade moderna é viciada em smartphone, conferem todas as redes sociais pela manhã, checam os e-mails, respondem e postam alguma coisa se estão com tempo livre. Eles acompanham notícias e a previsão do tempo que chega pelas redes sociais, consomem os vídeos do Youtube”, explicou.
Em 2021, uma pesquisa do governo japonês sobre o consumo de informações mostrou que, durante o ano de 2020, os japoneses na faixa de 20 anos passaram cerca de 88 minutos assistindo televisão por dia, mas o tempo acessando a internet foi de 255 minutos. A pesquisa mostrou que os jovens passam 73 minutos por dia na frente do computador, 177 minutos com o celular e 15 minutos com o tablet.
Os desinteressados pela televisão e especialmente pela NHK, que correspondem a metade da população do país, podem não se conformar com a obrigatoriedade de assinar um contrato e pagar a taxa de um serviço que não utilizam. Sem falar os estrangeiros que não podem se beneficiar do canal ainda que queiram por não entender o idioma do país.
“A gente já viu esse movimento acontecer em outros países, como no Reino Unido. As pessoas, especialmente os jovens, dão um jeito de evitar a transmissão do canal, arrumam um monitor, um projetor e ficam só assistindo aos vídeos, séries e filmes que querem. Se não for possível transmitir o canal, não é necessário assinar o contrato e pagar a taxa e isto acaba se tornando uma solução ao problema”, constatou.
Por fim, a polêmica da NHK ainda terá novos episódios pela frente, até que uma solução justa surja para resolver um impasse que envolve a emissora, o governo japonês e uma grande parte da população infeliz com a obrigação de pagar por um serviço que não consome.