Um caso trágico ocorrido no início deste ano em Shiogama, no nordeste do Japão, abalou profundamente os moradores da cidade e acabou dando origem a uma iniciativa de apoio a mães sobrecarregadas. Um bebê recém-nascido foi encontrado sem vida na neve, fato que gerou comoção e reflexões sobre o isolamento e o cansaço enfrentados por mulheres no período pós-parto.
O episódio aconteceu em janeiro, quando uma menina foi localizada em uma manhã de frio intenso nessa cidade portuária com pouco mais de 50 mil habitantes, situada ao nordeste de Sendai, principal centro da região de Tohoku. A mãe, uma jovem na faixa dos 20 anos, chegou a ser presa sob suspeita de homicídio, acusada de ter enterrado o bebê na neve após um parto realizado em casa. Posteriormente, o processo foi arquivado por falta de provas, mas o impacto emocional do caso permaneceu vivo na comunidade.
Entre as pessoas mais tocadas pela tragédia estava Shinobu Endo, professora de creche. Para ela, o episódio evidenciou a solidão que muitas mulheres enfrentam. “Ela provavelmente não tinha ninguém com quem conversar”, comentou.
Movida pelo desejo de evitar que outras mães passassem pela mesma situação, Endo publicou um apelo nas redes sociais, convidando mulheres que estivessem enfrentando dificuldades a buscar apoio. A mensagem encontrou rápida resposta: em poucos dias, outras cinco mães — entre elas uma educadora infantil, uma terapeuta e uma fotógrafa — se uniram à ideia. Pouco depois, o grupo se reuniu presencialmente e fundou uma iniciativa comunitária chamada “Shien”.
O primeiro projeto lançado foi o “Mama’s Break”, um programa que oferece às mulheres no pós-parto a oportunidade de dormir e recuperar as energias enquanto voluntários cuidam de seus filhos. A proposta nasceu da constatação de que a privação de sono é uma realidade comum para mães de recém-nascidos, em razão das mamadas noturnas e do choro frequente dos bebês. A iniciativa também teve como referência um projeto semelhante desenvolvido na cidade de Chita, na província de Aichi.
Segundo a terapeuta Chiaki Tokita, integrante do grupo, a falta de descanso afeta diretamente o bem-estar emocional. “Quando estamos exaustas, é mais fácil perder a paciência e pensar que não somos boas mães. Um corpo descansado ajuda a manter a mente equilibrada”, explicou.
A própria Endo vivenciou esse desgaste. Mãe de três filhos, ela passou quase um mês sem dormir adequadamente ao cuidar do primogênito, que enfrentava uma doença crônica. Já o segundo filho mamou até depois dos 3 anos e acordava a cada três horas durante a noite. “Eu estava praticamente em depressão pós-parto”, relembra. “Cheguei a ter pensamentos muito negativos. Se tivesse perdido o controle, algo grave poderia ter acontecido.”
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que o Japão está entre os países com menor média de horas de sono, especialmente entre as mulheres. Embora governos locais tenham ampliado serviços de apoio pós-parto e creches temporárias, muitas famílias ainda encontram obstáculos, como custos elevados e limitações de uso.
Durante as sessões do Mama’s Break, voluntários mantêm os bebês e crianças pequenas ocupados enquanto as mães descansam. Em um encontro realizado em junho, oito crianças de 4 meses a 2 anos brincaram enquanto suas mães dormiam por cerca de uma hora e meia. Ao acordarem, o reencontro foi marcado por sorrisos e abraços.
Kaori Hoshi, em licença parental, contou que raramente pede ajuda aos pais, mesmo morando perto. “Fazia muito tempo que eu não descansava sem me preocupar”, disse, observando o filho de 11 meses cochilar após brincar.
O programa, realizado aproximadamente a cada dois meses desde abril, já conta com participantes frequentes. Maiko Nomura, mãe de três filhos, afirma que normalmente usa o tempo das sonecas das crianças para cuidar da casa. “Aqui, eu realmente consigo descansar. Sempre espero ansiosa por esse dia”, contou.
Um detalhe especial do projeto é o registro fotográfico feito por uma das integrantes do grupo. As imagens das mães com seus filhos são entregues como lembrança, atendendo a uma queixa comum: muitas mulheres quase não aparecem em fotos com as crianças, por estarem sempre atrás da câmera.
A taxa de participação é de 500 ienes por sessão, valor mantido baixo de forma intencional. Apesar do apoio pontual de comércios locais, o grupo ainda enfrenta limitações financeiras.
Endo deseja manter o projeto ativo e transformar o Shien em um espaço de acolhimento contínuo. Para ela, iniciativas governamentais nem sempre conseguem suprir todas as necessidades. “É difícil se abrir com alguém que você acabou de conhecer. Quero que as mães saibam que podem voltar sempre que precisarem”, afirmou.
O objetivo final, segundo Endo, é simples e ao mesmo tempo ambicioso: “Criar filhos é algo bonito. Quero uma sociedade em que todas as mães possam sentir isso.”





