Tóquio – A crise da baixa taxa de natalidade já perdura há três décadas no Japão. A cada ano o país bate um novo recorde com os números cada vez mais baixos de nascimentos. Enquanto isso, os idosos já são quase 30% da população.
As novas gerações poderiam ser a esperança para este problema, mas os sinais são contrários. A geração Z, de jovens nascidos entre 1995 e 2010, está pouco inclinada a ter filhos e os motivos são adversos.
Uma pesquisa do portal BIGLOBE entrevistou cerca de 500 jovens japoneses de 18 a 25 anos e perguntou sobre os planos de ter filhos no futuro. As respostas mostraram que cerca de 50% dos entrevistados não estão interessados.
O principal motivo mencionado pelos jovens da geração Z foi a falta de confiança para criar outro ser humano (52.3%), mas o segundo motivo, que teve 45.9% das respostas, foi por não gostar de crianças. A terceira maior razão para não querer filhos, de acordo com os entrevistados, é a inevitável perda da liberdade pessoal (36%) e em quarto lugar ficou a falta de expectativas com o futuro do Japão (25%).
Esse motivo em especial se refere a não acreditar que o Japão será um país bom para se viver no futuro e por sentir “pena” das crianças que terão que enfrentar uma realidade cheia de desafios quando se tornarem adultas.
Mas não houve mais detalhes sobre essa questão.
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O bullying da geração Z
A pesquisa com os jovens da geração Z saiu no portal Gendai Business e um caso em específico chamou a atenção dos organizadores do estudo. Risa Hirose*, de 25 anos, contou que tem um complexo com a própria aparência, não se acha bonita e não quer transferir isso para os filhos no futuro.
Como sofreu muito bullying na escola, teme que seus filhos passem pelo mesmo e por isso, decidiu que não será mãe.
“Como vocês podem ver, eu sou feia. E uma criança que nasça de mim também será. Eu não quer por filhos no mundo para que sofram o preconceito que eu sofri e por isso decidi que não vou ter”, disse.
O problema de Risa começou na escola japonesa. A jovem é filha única e contou que quando era pequena, era adorada pelos pais e costumava ser chamada de “princesa” pela mãe. Ela nunca tinha se achado feia até um episódio traumático na escola.
“Eu estava no terceiro ano do primário quando uma amiga me perguntou de quem eu gostava e eu mencionei o nome de um garoto que era o mais popular da turma. Ela caiu na risada, disse que ele era um gato e não combinava comigo. Eu passei a pensar que não sou bonita e fui ficando retraída”, contou.
Os sentimentos podem ter influenciado na maneira como Risa se comportava em público, diante das outras crianças.
“De repente as outras crianças começaram a tirar sarro de mim. Um garoto disse que meu nariz era de porco e que me chamaria de busa (buta é porco em japonês) e queria que eu respondesse roncando como um”, lamentou.
E a situação foi se agravando e continuou até o fim da vida escolar. No ginásio, Risa disse que era chamada de feia por colegas apenas por passar ao lado deles e diziam que a carteira dela tinha “bactérias de gente feia” e não queriam tocar.
“Passei por muitas experiências ruins e comecei a ter fobia com a ideia de ir para a escola. Depois das férias de verão do segundo ano do ginásio eu faltei muitas aulas e pensei que seria melhor se eu não existisse, as pessoas seriam mais felizes”, relembrou.
É um tipo de caso que muitas vezes acaba em suicídio no Japão, mas Risa conseguiu enfrentar os dias difíceis na escola, com a esperança de que no ensino médio tudo mudaria, mas não aconteceu.
“Eu também me tornei alvo de bullying no ensino médio. As meninas diziam que era impressionante que eu conseguisse viver com a cara que tinha, uma garota disse que se fosse ela, ia preferir morrer. Eu acabei me isolando”.
Risa acabou largando a escola no primeiro ano e foi para outra que tinha poucas horas de estudo por dia e não era obrigada a conviver por muito tempo com outros adolescentes. Assim, conseguiu se formar.
Ela passou a trabalhar em uma fábrica de alimentos, mas não pôde deixar o passado para trás. As experiências geraram uma forte crença em si mesma sobre ser feia. “Não conseguia olhar nos olhos do meu chefe por trauma, por causa das outras crianças que diziam que eu não olhasse para elas porque tinham nojo de mim”, contou.
Uma vida de rejeição e sofrimento durante toda a infância e que continua depois de adulta. E a jovem, com todos os traumas, crenças e baixa autoestima decidiu que o melhor é não ter filhos para que não passem pelo mesmo.
Uma conclusão que pode afetar muitos outros jovens japoneses e estrangeiros que também tiveram que enfrentar experiências dolorosas na fase escolar e que carregam traumas que refletem na vida adulta.