Tóquio – Nem a descoberta de um câncer e um tratamento rigoroso, demorado, difícil e preocupante foram o suficientes para que uma japonesa pudesse se ausentar do trabalho sem se preocupar com suas funções.
O Portal Career Connection, que fala sobre carreira e negócios no Japão, fez uma pesquisa para coletar relatos de pessoas que passaram por circunstâncias de grande incompreensão no trabalho.
Entre as respostas que chegaram, um caso especial chamou atenção.
Chisato*, que tem idade na faixa de 40 anos, contou que descobriu um câncer de mama na primavera deste ano, depois de encontrar um nódulo no seio. Ela trabalha em uma farmácia e não demorou muito para começar a acumular folgas devido ao tratamento.
“Eu sou funcionária de meio período, mas cuido da farmácia nos horários que os funcionários não estão. Atendo os clientes, organizo os produtos que chegaram, respondo as queixas também, são várias funções”, explicou.
Para a farmácia, a presença de Chisato era fundamental e as folgas acabaram causando alguns transtornos já esperados no trabalho.
“Eu tive uma cirurgia marcada e disse ao chefe que depois do procedimento eu teria que iniciar o tratamento com radioterapia. Eu contei a ele que não sabia quando poderia voltar ao trabalho. A previsão era de me ausentar por três meses e pedi desculpas. Nesta hora, ele apenas concordou e disse para eu descansar”, contou.
O chefe da farmácia é um homem na faixa de 30 anos. Chisato acreditou que estava tudo bem, tinha sido compreendida por causa da situação. Mas quando a cirurgia passou e ela conseguiu retornar ao trabalho apenas para informar o chefe de sua situação, acabou levando um choque com a reação dele.
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O câncer e as reclamações
Chisato conta que trabalhou até uma data bem próxima da internação no mês de julho. Antes disso, ela tinha sido transferida para outra farmácia e não chegou a ter tempo de conhecer melhor o chefe.
“Acabou que tive que anunciar minhas folgas sem saber como ele era, sua personalidade, jeito de pensar. Sem conhecer direito mesmo ou ter tido a oportunidade de estabelecer uma boa comunicação. E acredito que isso acabou influenciando também”, disse.
Mesmo assim, ela tirou as folgas, passou bem pela cirurgia e enquanto aguardava o tratamento de radioterapia, passou na farmácia em agosto para contar como estava a situação de saúde e quais seriam os próximos passos antes que pudesse retornar ao trabalho.
“Neste dia eu senti que tudo estava diferente”, disse ela. “Eu pedi desculpas mais uma vez, disse que a data da radioterapia ainda era incerta e eu não sabia ainda quando poderia retornar. Ele ficou abismado, muito irritado e passou uns 10 minutos reclamando na minha cara”.
O chefe não queria saber de câncer, radioterapia ou o estado de saúde de Chisato. Segundo ela, ele ficou pelo menos 10 minutos xingando, dizendo que não podia acreditar que teria que continuar trabalhando em tempo integral por causa dela.
“No início eu pedi desculpas, mas depois eu desisti. Fiquei sem dizer nada, apenas esperando ele se acalmar”.
O horário de trabalho de Chisato é das 8h da manhã às 17h e não teve ninguém que pudesse substituir suas funções enquanto estava tratando o câncer. Por causa disso, o chefe que estava acostumado a trabalhar do início da tarde até o fechamento da farmácia, acabou obrigado a vir ao trabalho também pela manhã.
Parte do problema é falta de mão de obra já comum no Japão e que também acabou afetando o serviço da farmácia.
“Eu entendo que por causa disso ele já estava há um mês trabalhando de manhã até de noite, mas isso não é um jeito adequado de conversar com alguém que acabou de fazer uma cirurgia e está tratando um câncer”, desabafou. “Quem está com uma grande preocupação na vida sou eu e não ele. Se eu pudesse escolher, é claro que preferiria trabalhar do que passar por um tratamento doloroso no hospital. Eu não merecia ser tratada assim”, lamentou.
Não é nada fácil lutar contra um câncer, os riscos, a saúde debilitada e todas as preocupações do tratamento. E mesmo neste momento tão delicado, ter que lidar com a incompreensão no trabalho e falta de empatia torna tudo ainda mais difícil.
“Eu nunca faltei ao trabalho antes de ficar doente e a minha cabeça já estava cheia por causa do tratamento. Ainda tentei conversar com o chefe dele, mas vi que não iria adiantar. Ainda não consigo esquecer a maneira como ele reagiu”, disse.
*nome fictício